Por Vinicius Machado, CEO da Sotaq
O Brasil sempre viveu de histórias. Desde o rádio até o streaming, as novelas foram o grande ritual coletivo, o momento em que o país inteiro se via refletido, comentava junto, torcia junto. Elas moldaram nossa sensibilidade e ensinaram o país a acompanhar vidas alheias como se fossem extensão das nossas.
A verdade é que nunca deixamos de fazer isso. Só mudamos de tela. O capítulo das nove virou o story das nove. O personagem ganhou arroba. Seguimos influenciadores com a mesma curiosidade e envolvimento com que antes seguíamos protagonistas de ficção. Acompanhamos suas rotinas, dilemas e transformações como quem assiste a uma trama que nunca termina, apenas muda de temporada. Essa continuidade emocional explica por que o Brasil é um dos países que mais consome influência digital no mundo.
Segundo a Kantar (2024), 82% dos brasileiros afirmam já ter comprado algo indicado por um influenciador, um número que, além de expressivo, revela um traço cultural profundo: aqui, o consumo nasce da identificação. O brasileiro não consome publicidade, consome enredo. Ele se conecta menos com argumentos e mais com jornadas. Cada vídeo, cada relato, cada sequência de stories é um microcapítulo de uma narrativa maior e é nessa continuidade que mora o vínculo. É nesse contexto que surgem as novelas verticais, não como um retorno nostálgico, mas como uma modernização do imaginário nacional.
Pensadas para o formato 9:16, elas traduzem a linguagem das novelas para o digital, adaptando-se ao consumo fragmentado das plataformas. Cada episódio dura de um a três minutos tempo suficiente para criar tensão, deixar um gancho e conduzir o espectador ao próximo capítulo com a mesma urgência de quem desliza o dedo pela tela.
No Kwai, uma das plataformas que mais abraçou esse formato, o gênero já se consolidou. Criadores de diferentes regiões do país produzem micronovelas de romance, mistério ou cotidiano que acumulam milhões de visualizações e transformaram o hábito de assistir no celular em uma nova forma de acompanhar histórias.
Essas produções condensam o mesmo DNA emocional das novelas tradicionais personagens carismáticos, dilemas familiares, pequenos dramas diários, mas em uma cadência digital, feita para ser vista entre tarefas, deslocamentos ou pausas do dia. O tempo de um scroll virou tempo de novela. Mais do que uma tendência, as novelas verticais representam o ponto de encontro entre ficção e influência. Elas devolvem ao digital o ritmo, a dramaturgia e o vínculo afetivo que sempre moveram o público brasileiro.
Hoje, as linhas entre influenciadores e personagens estão mais tênues do que nunca. Vivemos em um país que continua apaixonado por acompanhar histórias sejam elas roteirizadas ou espontâneas, televisivas ou verticais. O formato muda, mas o hábito permanece: seguimos assistindo uns aos outros, como quem ainda acredita que a próxima cena pode mudar tudo.
