A política em tempos de divertimento midiático

Por Redação

18/09/2024 15h38

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As grandes utopias políticas de outros tempos já não mobilizam mais. O fervor emocional do passado, o espírito combativo, o engajamento irrestrito, o “dar o corpo ao manifesto” soa estranho nos dias atuais, quando não, ridículo. Não há sinais mínimos da militância de corpo-alma do passado. Nada é mais importante do que ter sucesso na vida profissional e íntima, e desfrutar intensamente das coisas de que se gosta e quer, não havendo qualquer espaço para a nação, para o país, para qualquer revolução ou mesmo para o bem comum.

Então, o que ativa os sonhos das massas? Como não são mais as grandes utopias políticas, abre-se espaço para as micro e pequenas utopias individualistas: sucesso profissional, projetos pessoais e a família – a tradicional, claro –, porque qualquer outra configuração ou diferença desestabiliza a crença no ideal míope e reacionário da perfeição.

Como afirma Lipovetsky (2020, p. 242): “Ao engajamento maximalista nas grandes causas seguiu-se a busca da maximização dos direitos, das alegrias e dos interesses individuais”. E com isso, vivemos a era da despolitização. A vivência hipermidiática emocional dos tempos atuais promove a sedução midiático-política. Valoriza-se o espetacular, o particular e o anedótico. Vivemos o tempo da supremacia da emoção sobre a informação, do espetáculo sobre a análise. A majestosa e imponente autoridade pública definhou em benefício de um modo de comunicação relacional e interativa baseada na sedução jovial incessante.

A sedução de hoje está vinculada ao estilo, à capacidade retórica e à imagem dos líderes e não mais ao conteúdo das propostas e o exame sobre as melhores condições de cada candidato para exercer a gestão pública. Assim, dá-se atenção ao vestuário descolado e informal, ao vocabulário descontraído, aos diálogos rápidos, ao tom familiar, às gírias, às perguntas e comportamentos provocativos (buscando a lacração), dá-se atenção aos furos, às revelações, aos sacarmos, ao humor escrachado, às zombarias e às performances corporais tresloucadas, com gestos e comportamentos também desvairados. Os debates viraram talk shows, ou seja, momentos de divertimento midiático e não de diálogo e apresentação de propostas.

As campanhas político-eleitorais mais parecem enredos de telenovela, com dramas, reviravoltas, provocações, ambições pessoais, denúncias, suspenses, – uma visão fílmica, estética e apocalíptica da política. Ao privilegiarmos o espetáculo, no melhor exemplo da sociedade da sedução, apoiamos a dessacralização da Res publica e abdicamos do comum.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.