A síndrome da papoula alta: é preciso ter coragem para ser melhor

Publicado em

14/03/2024 10h48

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A síndrome da papoula alta ou tall poppy syndrome, é o nome dado a um fenômeno social e humano, muito humano, em que pessoas de sucesso (eventualmente felizes, amadas, bonitas…, o que só piora) são ridicularizadas, menosprezadas, diminuídas, antagonizadas, silenciadas e, até mesmo, eliminadas. O êxito ou o simples existir destacados podem incomodar e gerar ações de neutralização como caminho para retomada da placidez reinante na mediocridade e atenuação da inveja.


O nome sugestivamente bucólico tem origem em mitos da Antiguidade, especificamente em uma passagem da obra História de Heródoto (484-425 a.C.), que relata a atitude de Thrasybulus, tirano de Mileto, ao receber um mensageiro que apresentou a questão sobre o que fazer para “resolver” os problemas decorrentes da influência dos cidadãos que tinham grande destaque em Corinto.

A atitude do tirano, em silêncio, foi a de arrancar as espigas mais altas enquanto passeava candidamente pelos campos de trigo. Ficou registrada na história o conselho em ato: elimine os melhores e os mais destacados. Outra história semelhante aconteceu na Roma antiga quando Lucius Tarquinius (535-496 aC.), foi perguntado sobre o que fazer com os líderes de uma cidade inimiga que agora estavam capturados pelos seus soldados e a resposta, também em ato, foi a de cortar as papoulas mais altas do seu jardim, deixando evidente a recomendação e os líderes foram decapitados.

Outras metáforas surgiram ao longo da história e em distintos contextos, mas em boa parte delas, a essência é menos bélica e trágica, como acontece com a ideia da “soma zero” contida na referência a mentalidade de caranguejo. A observação de caranguejos em uma sexta pode ser muito instrutiva: qualquer um deles que se lançar ao alto na tentativa de fuga será puxado para baixo pelos demais, neutralizando a ideia e o ato dissonantes.

Uma interessante imagem para a máxima “aqueles que se destacam demais podem ser derrubados”, quiçá pelos semelhantes e mais próximos. Outra metáfora bastante potente, ainda que mais prosaica “prego que se destaca leva martelada”, favorece a percepção do sofrimento como punição à ousadia.

O fundamento dessas atitudes que visam a eliminação ou a neutralização daquele que se destaca, está centrado na dificuldade humana de apreciar honestamente as virtudes e êxitos dos outros, ainda que muito contraditória na essência, é explicável uma vez que o sucesso de uns põe em evidência as limitações, mediocridades, fragilidades de outros, e a consciência desta condição não é prazerosa, ao contrário.


Com isso, fica evidente que aqueles que se destacam correm mais riscos porque ficam mais expostos ao gerarem desconforto e ameaça aos demais. O que nos leva a concluir que não basta ser bem-sucedido, ser o melhor é preciso ter coragem para sê-lo.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.