2ª Edição-Brasília

Artigo de Opinião | Conexão humana: o antídoto invisível em tempos digitais

Por Redação

03/06/2025 09h00

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A saúde social é o elo perdido entre bem-estar, inovação e o futuro do trabalho

Por Sabina Deweik, futurista, caçadora de tendências, palestrante e coach ontológica

Vivemos cercados por telas, notificações e algoritmos que nos dizem o que ver, o que sentir, com quem falar. Temos mil conexões no LinkedIn, mas ninguém para substituir nosso lugar se ficarmos doentes. Trocamos a sala de estar por salas de reunião no Zoom. E, no processo, perdemos algo essencial — a arte de se conectar de verdade.

Chamamos isso de progresso, mas talvez estejamos apenas acelerando na direção errada.

Estamos diante de um paradoxo inquietante: nunca estivemos tão “conectados” — e tão sozinhos. Vivemos uma epidemia de solidão disfarçada de hiperconectividade. As redes sociais criaram pontes para o mundo, mas abismos emocionais entre nós. A inteligência artificial nos escuta, mas quem nos escuta de verdade?

A cientista social Kasley Killam, durante a abertura de um dos maiores festivais de inovação, tecnologia e criatividade, o SXSW 2025, que acontece em Austin,  lançou uma bomba silenciosa sobre o futuro:

“Cuidar da saúde social é tão importante para sua expectativa de vida quanto se hidratar, manter uma alimentação saudável e ter uma boa noite de sono.”

Formada por Harvard e autora do best-seller The Art and Science of Connection, Killam apresentou dados irrefutáveis: homens com conexões sociais fortes vivem, em média, duas vezes mais; mulheres, três vezes mais.

E mais: pessoas que abraçam com frequência pessoas queridas têm maior resistência a vírus como o da gripe. Não é metáfora — é fisiologia.

No livro, ela propõe um exercício simples e poderoso: a “regra do 5:3:1” — um grupo de pessoas com quem você se compromete a manter contato semanal. “É como andar 10 mil passos por dia ou dormir oito horas por noite”, compara. A ideia: passe tempo com cinco pessoas diferentes por semana (pode ser seu parceiro de academia, uma amiga do clube do livro, uma pessoa sentada no ônibus). Cultivar três relacionamentos próximos (familiares e entes queridos). Buscar uma hora de interação social por dia se conectando de verdade.

Parece banal? Não é. É vital.

A saúde social, diz Killam, é o que a saúde mental era há 15 ou 20 anos — invisível, subestimada e prestes a se tornar o epicentro de um novo movimento global. Até 2030, estima-se que o mercado global da saúde mental chegará a US$ 530 bilhões. Empresas que entenderem a importância da saúde social agora terão vantagem competitiva real — não só no engajamento e retenção, mas na inovação e sustentabilidade humana.

Enquanto isso, seguimos trocando interações reais por calorias vazias de conexão:

“No lugar de olhar redes sociais na fila do café, fale com alguém que você ama”, provoca Killam.

“A tecnologia precisa ser redesenhada para promover relacionamentos.”

Sim, o problema não é a tecnologia. É o design das nossas escolhas.

Numa era de aceleração e adoção exponencial da IA, podemos nos afastar ou nos aproximarmos, depende da intenção. Assim como espaços físicos moldam comportamentos, sistemas digitais também o fazem. A pergunta é: estamos projetando vínculos — ou apenas interfaces?

Nas empresas, o erro é ainda mais cruel. Falamos de bem-estar, mas esquecemos que ninguém performa sozinho por muito tempo. Dados da Gallup mostram que 24% das pessoas no mundo se sentem solitárias e 61% dos profissionais relatam sentir-se isolados no trabalho. Solidão corporativa é um fator silencioso de burnout, absenteísmo e evasão.

Times emocionalmente saudáveis não nascem por acaso. Eles são cultivados. Com check-ins reais, escuta ativa, espaços de convivência pensados para o encontro. É o chamado social fitness: sua musculatura relacional intencional. Como diria a psicoterapeuta Esther Perel: “Temos mil amigos no Facebook, mas ninguém para alimentar nosso gato.

No ambiente de trabalho, criar relações de confiança não é gentileza — é estratégia. Não é “soft skill”, é infraestrutura emocional. Empresas que entendem isso estão construindo redes de apoio, práticas intencionais de escuta, rituais de convivência. Elas estão plantando pertencimento onde antes só havia performance.

A verdade é simples e dura: você pode comer orgânico, meditar, dormir bem. Mas se não tem com quem dividir suas alegrias e dores, está apenas funcionando — não vivendo.

A revolução que precisamos agora é afetiva.
É urgente, é invisível, e talvez por isso seja tão negligenciada.
Mas o futuro do trabalho — e da vida — não será sustentável sem vínculos reais.

A saúde social é o próximo grande divisor de águas. E está nas nossas mãos decidir: Vamos apenas funcionar… 

… ou, finalmente, nos reconectar para viver de verdade?