Vivemos em um mundo em transformação. A velocidade das mudanças é brutal, e desafia nossa capacidade de adaptação e nossa resiliência. No entanto, em minha opinião, parece ser que o maior desafio da nossa época está em não perder nossa identidade como seres humanos, a nossa essência, aquilo que nos distingue como pessoa.
A partir do surgimento do Chat GPT, experimentamos a abertura a uma infinidade de possibilidades que vão se concretizando a cada dia. Por exemplo, ganhos em produtividade e aumento de eficiência que trazem consigo a redução do quadro de pessoas para o desempenho de determinadas funções e atividades. A maximização de resultados se torna, a cada dia, mais necessária e tentadora.
O uso da IA em análise de dados e tecnologia, saúde e educação, criatividade e negócios, e uma lista interminável de muitas outras aplicações, é irreversível. Sua eficiência para a resolução de problemas técnicos é algo inquestionável, e seus benefícios são evidentes e palpáveis. Pois bem, em todos os âmbitos onde tarefas rotineiras precisam ser executadas, uma máquina supera de longe o ser humano, em rapidez e capacidade de execução. Linhas de montagem, análises de imagens, comparação de padrões e cálculos matemáticos exigem um tipo de capacidade que é replicável através de uma máquina.
Tudo o que foi acima mencionado descreve o que podemos chamar de problemas técnicos. Pela sua natureza, são específicos e definidos, causados por falhas de sistema, como por exemplo, uma máquina quebrada que precisa ser consertada ou um bug de software que necessita ser corrigido. Para resolver tais coisas, torna-se necessário utilizar habilidades específicas para diagnosticar e corrigir uma falha mecânica, um problema de mau funcionamento ou um defeito. O emprego de ferramentas adequadas, o seguimento dos procedimentos e das metodologias, por si só, são suficientes para encontrar uma solução.
Mas, e quando nos deparamos com problemas humanos, que são a imensa maioria dos problemas que enfrentamos todos os dias?
Refiro-me a problemas que possuem uma natureza diversa dos problemas técnicos. São, portanto, mais complexos porque subjetivos, qualitativos e ambíguos. Têm sua causa em fatores pessoais, sociais e culturais, englobando questões psicológicas como saúde mental, estresse e bem-estar, relacionamento interpessoal. Para solucioná-los, são fundamentais as habilidades de comunicação e negociação no qual o ser humano é requerido, juntamente com a sua capacidade de empatia e compreensão, que são o produto legítimo de uma sensibilidade humana.
Uma máquina nunca será um ser humano. Sempre será uma realidade fabricada, projetada, programada, artificial.
Poderíamos dizer que estamos num momento histórico que se configura por ser um divisor de águas que pode nos levar por caminhos completamente distintos: por um lado, realmente pode nos ajudar a potencializar tudo o relativo ao humano, fazendo-nos refletir sobre nossa essência; por outro, pode contribuir para a diluição dessa mesma imagem, na medida em que elevamos a condição da máquina à condição humana.
Permita-me citar um exemplo que espelha uma realidade que já está acontecendo: o esquecimento do que significa ser humano.
Uma vez, conversando sobre a realidade da IA com um grupo de jovens profissionais, fiz a seguinte pergunta a um deles: se sua mãe estivesse em estado terminal, quem você gostaria que a consolasse: uma máquina ou você mesmo?
Depois de um certo silêncio inicial, foram surgindo as manifestações e reflexões individuais. Apesar de que a maioria concordasse em que o próprio interessado seria o mais indicado para esta tarefa, houve vozes divergentes que disseram: depende, se a máquina fizer isso melhor do que eu….
Será mesmo que uma máquina pode realizar esta tarefa melhor que uma pessoa? Trata-se simplesmente de reunir argumentos técnicos e transmitir uma mensagem? Seria este um evento meramente informativo?
Se perdemos de vista o significado das relações humanas e o elemento que é o que lhe confere o sentido maior a tudo que fazemos, o amor, todo o resto se reduz a mero aspecto transacional, que pode ser visto como um fim estritamente utilitarista de alcançar um resultado mais ou menos eficiente. O amor não é simplesmente um resultado quantitativo, um KPI.
O que, de fato, seria humano em todo este contexto?
Não existe evento mais desgarrador do que a perda de um ente querido. É próprio da nossa condição humana o afeto e o carinho, a gratidão e o perdão.
Pois bem, deixo aqui esta pequena história! E deixo a vocês a conclusão deste artigo.
Sobre Cesar Bullara
É diretor do Departamento de Gestão de Pessoas no ISE Business School no Brasil e doutor em Filosofia pela Pontificia Università della Santa Croce em Roma. Lidera o Núcleo de Transformação e Cultura do ISE Business School, e também é consultor em gestão empresarial, mentor e executive coach. Em 2023 fundou o Think Tank Diálogos sobre a Condição Humana, um fórum de discussão de temas filosóficos e humanísticos para executivos, empresários e empreendedores.