Por Rafael Frota, Diretor de Criação com mais de 40 projetos premiados, incluindo Melhor Filme de Saúde para a OMS.
Quando criança, duas figuras muito distintas marcaram minha imaginação.
A primeira foi o palhaço do circo.
Eu esperava ansioso a chegada da lona colorida na cidade. O cheiro da pipoca, o ranger das cadeiras de madeira e a música da bandinha anunciavam que algo mágico ia começar. E então ele surgia: roupas exageradas, nariz vermelho, sapatos grandes demais. Não precisava de palavras rebuscadas. Bastava um tropeço calculado, uma careta, um gesto bobo para arrancar gargalhadas até dos mais sisudos. Ele fazia do erro um espetáculo, da simplicidade uma forma de encantamento. Ali aprendi que criatividade não é sobre complexidade, mas sobre verdade. O palhaço ensinava que a alegria não está no luxo, mas na capacidade de tocar corações com autenticidade.
A segunda figura foi o Padre Henrico, o pároco da minha comunidade.
Se o palhaço enchia o espaço de cores e barulho, o padre transformava o ambiente com silêncio. Bastava entrar para que vozes se calassem, olhares se endireitavam, até os mais rebeldes se continham. Não havia espetáculo, mas havia presença. Lembro do tilintar das chaves que ele carregava, do som firme dos seus passos pelo corredor, da maneira como sua voz preenchia a igreja sem precisar gritar. O que ele possuía era invisível, mas poderoso: autoridade. Vi até meu pai, homem rígido, abaixar os olhos diante dele. O padre mostrava que crenças coletivas moldam comportamentos e sustentam estruturas inteiras.
Muito tempo depois percebi que ambos, cada um à sua maneira, me ensinavam a mesma coisa: o valor do intangível. O palhaço tinha o poder de emocionar. O padre Henrico, o poder de conduzir. Nenhum deles dependia de ativos físicos para exercer influência. Seu valor estava invisível.
Na comunicação, essa lição é ainda mais verdadeira.
Por muito tempo, acreditou-se que publicidade era apenas peças criadas, mídia comprada e relatórios de resultado. O raciocínio era simples: produzir, veicular, medir. Mas quem vive nesse mercado sabe: nenhuma marca se sustenta apenas neste ciclo.
O que dá valor real a uma empresa de comunicação, o que conecta marcas a pessoas, é justamente o que não se vê. É o intangível que pesa: o propósito que orienta, a reputação que abre portas, a cultura que sustenta equipes, a marca que ocupa espaço na imaginação coletiva.
O público não se apaixona por anúncios, o público se conecta a narrativas.
Não permanece por campanhas. Permanece por culturas.
É por isso que empresas de comunicação não são apenas prestadoras de serviço. São construtoras de intangíveis.
● Propósito é o motor. É o que dá coerência às histórias que contamos. Sem propósito, até uma boa campanha soa vazia.
● Reputação é o ativo mais frágil e, ao mesmo tempo, mais poderoso. Leva anos paraser construída, mas pode ruir em minutos. É o resultado da coerência entre discurso e prática.
● Cultura é o que sustenta as equipes. É o que faz as pessoas acreditarem no trabalho mesmo em prazos impossíveis. É o que gera pertencimento e orgulho.
● Marca é a síntese de tudo isso. Não é só logotipo: é o espaço que ocupamos no imaginário coletivo, o rastro emocional que deixamos nas pessoas.
Campanhas acabam, peças saem do ar, orçamentos se encerram. Mas quando bem trabalhados, esses intangíveis permanecem.
Exemplos não faltam.
A Apple não vende apenas tecnologia. Seu valor está no mito da garagem de Jobs e Wozniak, símbolo de inovação que até hoje guia suas histórias.
A Disney não é apenas estúdios e parques. É a promessa da mágica, transmitida por décadas como parte da cultura mundial.
No Brasil, Havaianas transformou um chinelo simples em patrimônio cultural. E a Turma da Mônica segue viva porque é mais do que quadrinhos: é memória coletiva.
São narrativas intangíveis que sustentam negócios e criam legados.
Mas lidar com intangíveis exige responsabilidade. Comunicação não pode ser só discurso publicitário: precisa ser coerente. Não adianta falar de inovação e repetir fórmulas. Não adianta defender a diversidade e não praticá-la dentro de casa. O público enxerga, e na era digital tudo é percebido ainda mais rápido.
Quando há coerência, nasce confiança.
Quando há confiança, a reputação se fortalece.
E reputação, no fim das contas, é o ativo mais sólido de todos.
É por isso que acredito que, na comunicação, o valor do intangível é maior do que qualquer ativo físico. É ele que fideliza clientes, atrai talentos, garante contratos e dá longevidade às marcas. É ele que sustenta empresas de comunicação quando orçamentos apertam ou quando crises chegam.
O intangível é, ao mesmo tempo, invisível e decisivo. É o que nos conecta às pessoas. É o que transforma um produto em símbolo, uma empresa em cultura, uma marca em mito.
E aqui volto às imagens que me acompanharam na infância. O palhaço e o padre não precisavam de riqueza material para exercer influência. Um emocionava pelo riso, o outro conduzia pelo respeito. Um despertava alegria, o outro transmitia autoridade. Ambos mostravam que o que realmente pesa é aquilo que não se vê.
É assim também na comunicação. Campanhas passam, formatos mudam, tecnologias se tornam obsoletas. Mas o intangível — propósito, reputação, cultura e marca — é o que permanece.
O palhaço e o padre, cada um a seu modo, já me diziam isso.
O verdadeiro valor não está no que se mede em balanços, mas no que se grava na memória e no coração das pessoas.
