1ª Edição-Brasília

Artigo | Transição dos sistemas alimentares: uma agenda de mitigação das mudanças climáticas, combate à pobreza e à fome

Por Redação

17/02/2025 21h14

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Por Daniela Carbinato, sócia da Bain e líder da prática de ESG para a América do Sul e membro das práticas de Bens de Consumo e Varejo.

Os sistemas alimentares globais precisam mudar rapidamente para formas mais sustentáveis de produção, como parte dos esforços de mitigação das mudanças climáticas e combate à pobreza e à fome. Atualmente, esses modelos são responsáveis por produzir e distribuir alimentos para aproximadamente 8 bilhões de seres humanos e empregar 35% dos trabalhadores, representando 10% do PIB mundial. Por outro lado, esses mesmos sistemas respondem por uma fatia de 25% a 30% das emissões dos gases de efeito estufa e parte relevante da perda de biodiversidade. Ao mesmo tempo, enquanto mais de 2 bilhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar, 1 bilhão lida com a obesidade.

Quando transformados, porém, os sistemas alimentares podem sequestrar no solo entre 9% e 23% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) ao mesmo tempo em que podem ajudar a construir comunidades resilientes, criar oportunidades para melhorar a vida e a subsistência, inclusive para mulheres, jovens e povos indígenas, fornecendo acesso a dietas nutritivas e saudáveis para um número projetado de 9,7 bilhões de pessoas até 2050.

Diante da importância do setor, governos, produtores e outros participantes dessa cadeia de valor estão acelerando a adoção de práticas mais sustentáveis. A agricultura regenerativa é uma opção promissora, capaz de neutralizar uma parcela significativa das emissões globais de GEE e revitalizar os ecossistemas. Essa prática melhora a saúde do solo, captura carbono e contribui para a resiliência das comunidades agrárias, criando oportunidades econômicas que elevam a qualidade de vida, especialmente de mulheres, jovens e povos indígenas.

Outras técnicas também oferecem soluções eficazes para melhorar a transição dos sistemas alimentares. Biotecnologias, como a edição genética e os biofertilizantes, permitem o desenvolvimento de culturas mais resilientes, nutritivas e sustentáveis, reduzindo a dependência de recursos naturais escassos e os impactos ambientais. Paralelamente, as tecnologias digitais, como a agricultura de precisão e a análise de big data, capacitam os agricultores a otimizar o uso de insumos, monitorar as condições das lavouras em tempo real e tomar decisões informadas que aumentam a produtividade e reduzem desperdícios.

Apesar do potencial dessas inovações, os produtores rurais enfrentam três principais desafios na adoção de práticas sustentáveis: barreiras técnicas e operacionais, as barreiras sociais e as barreiras econômicas. Do lado técnico, agricultores vão precisar de aconselhamento agronômico, treinamentos e acesso a serviços, insumos, equipamentos e infraestrutura, para a transição. Atualmente, não há assistência técnica independente suficiente para ajudá-los na implementação destas práticas e monitoramento do progresso, em particular, os pequenos produtores.

Do lado econômico, espera-se que as práticas regenerativas aumentem a lucratividade das fazendas no médio prazo, muitas vezes devido a rendimentos mais altos e/ou à economia decorrente da redução do uso de insumos por meio da agricultura de precisão, de biotecnologias e equipamentos e resiliência. No curto prazo, no entanto, os agricultores podem enfrentar desafios no fluxo de caixa e na lucratividade devido aos elevados investimentos iniciais, ao crescimento de determinadas linhas de custo ou até mesmo a quedas temporárias nos rendimentos, à medida que os solos se ajustam às novas práticas e os agricultores avançam na curva de aprendizado.

Assim, destravar o “business case” da transição para sistemas alimentares mais sustentáveis é, assim, fundamental. Soluções financeiras como blended finance e novas fontes de valor a partir destas práticas, como monetização pelos serviços ecossistêmicos prestados serão pilares fundamentais. As alavancas para a transformação são, contudo, bem conhecidas. Os maiores obstáculos são a mobilização de capital – estima-se que a transição dos sistemas alimentares poderá custar até US$350 bilhões por ano até 2030 –; a orquestração em escala global de todos os agentes (produtores, consumidores, setores público e privado) e o ritmo desta jornada. 

Há menos de 5 safras restantes até 2030. Por isso, realizar todo o potencial da coordenação e colaboração público-privada e de múltiplas partes interessadas nas cadeias agroalimentares, em especial, pequenos produtores, passa pelo desenho de políticas públicas catalisadoras e instituições multilaterais e robustas, baseadas na ciência para pautar o comércio e a alocação de capital.