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As raízes e consequências do descaso com a saúde mental: qual o papel do mundo coorporativo nesse processo?

Publicado em

31/10/2023 10h56

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Pensamentos e discussões acerca do cuidado em saúde mental apresentam-se nos dias atuais de forma mais frequente. Seja em conversas cotidianas ou em eventos voltados para a evolução e atualização dos
ambientes laborais, a abordagem social e política sobre os transtornos mentais vêm demonstrando um crescimento significativo.

Contudo, ainda que o cuidado em saúde mental tenha ganhado certo protagonismo, a estigmatização dos sujeitos em sofrimento ainda tem influência direta no que passei a chamar de “autonegligência”. Desmembrando simbolicamente tal expressão, as pessoas escolhem negar seu sofrimento como uma espécie de “escudo protetor” contra os julgamentos sociais. São muito comuns, inclusive na clínica, discursos que indicam um receio anterior de buscar ajuda por compreender que tal ato seria um ‘atestado de loucura’, afinal, nos dizeres sociais e culturais: “quem busca tratamento psicológico ou
psiquiátrico é louco”. É preciso combater tal expressão. Situando nossa reflexão na bolha do mundo coorporativo, existe um atravessamento social e econômico que conduz diretamente as dinâmicas de
trabalho. O regime econômico brasileiro nos coloca enquanto trabalhadores, figurativamente, como “super-heróis” incansáveis. Além disso, a busca pelo alto rendimento e produtividade conduz a cultura organizacional na construção de uma dinâmica de trabalho sem espaços para pausas – principalmente ocasionadas por questões de saúde mental.


Desde 2017, o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta o Brasil como o país mais ansioso do mundo, com 9,3% da população – em torno de, aproximadamente, 18 milhões de pessoas – apresentando sintomatologia de transtornos ansiosos. Tais dados acendem um alerta para reflexões sobre as raízes sociais e culturais que atravessam a população brasileira. De que maneira podemos explicar números tão alarmantes? Enquanto sociedade, como cuidar desse coletivo em sofrimento? Qual o papel do ambiente coorporativo na construção de estratégias de cuidado em saúde mental para a população?

Ainda detalhando em números quantitativos, a ONU aponta que cerca de 12% da taxa de absenteísmo no trabalho tem relação direta com questões que envolvem a saúde mental. Tal índice retrata a urgente atenção de gestores e de nós, profissionais de saúde, para a busca de medidas preventivas e estratégias de enfrentamento frente ao significativo percentual de afastamento de seus colaboradores, em consequência da necessidade do cuidado em saúde mental.


Em meio a tantas discussões, coloco como ponto de partida para uma abordagem mais humanizada da problemática em questão, o constante investimento em espaços e eventos que possam dar voz aos próprios trabalhadores sobre suas questões de forma coletiva, situando tais ações diretamente nos ambientes laborais. Ações como essa ajudarão a caracterizar os ambientes de trabalho como espaços seguros e abertos para diálogos sobre os cuidados em saúde mental, além de contribuir para a compreensão dos sujeitos colaboradores em suas condições humanas, e não como máquinas.

Há a necessidade de darmos luz à discussão sobre os limites do trabalho correlacionado ao nosso bem estar físico e psíquico, uma vez que, social e culturalmente, essa “pausa” não encontra brechas para existir. Como dar seguimento a uma prática laboral, com sentido e eficiência, sem encontrar
equilíbrio com o fator mental que nos sustenta?

Em princípio, é preciso que nós, enquanto sociedade, façamos um exercício de compreensão amplo sobre o preço a ser pago por tanta cobrança pela produtividade sem pausas em nossa busca pelo sucesso. Existem caminhos mais saudáveis e compreensíveis que podem ser trilhados de maneira coletiva, para o alcance de uma rede colaborativa mais harmônica e que, consequentemente, entregará resultados satisfatórios em comparação a uma rede adoecida e invisibilisada emocionalmente, que acaba encontrando limites e resultando em taxas elevadas de afastamento laboral por questões de saúde mental.

Sobre a autora:

Dandara Leal

Psicóloga graduada pela Unichristus, com formação pelo Instituto Gestalt Ceará (IGC) em Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), e atuação clínica a partir da linha epistemológica humanista.