O fenômeno publicitário do novo filme da Barbie é uma lição de semiótica e gestão de marca. Duas outras marcas Mattel e Warner Bros. Pictures se juntaram e orquestraram um sofisticado e inteligente plano publicitário que está sendo capaz de promover engajamento, bilhões em vendas em todo o mundo e valorização de todas as marcas parceiras envolvidas, sem precedentes. Há mais de um ano, ações no ambiente digital Tiktok, Facebook e Instagram, com destaque para aquelas que promoveram a criação de memes e a proliferação febril de postagens, já sinalizava para a potência das ações que estava por vir.
A boneca que carrega a marca Barbie, com seus 64 anos de existência, já era um emblema de signo cultural que buscava conexões nas diferentes localizações do globo, incluindo temáticas políticas e religiosas, para além das atualizações sobre a identidade da mulher contemporânea, buscando dialogar com os seus múltiplos papeis, mercado de trabalho, relações com o corpo e a beleza e diferentes visões de mundo. Com o filme, esta adesão ao zeitgeist não foi diferente, apesar de muito leve, aspectos identitários, ligados a diversidade étnico-racial e inclusão foram tratados, conectando-a com os dias atuais, além do fato de que o filme é dirigido por uma mulher, Greta Gerwig, o que, por mais incrível que pareça, não é comum no contexto dos blockbusters. Outro aspecto nada ocasional é a escolha de dois jovens atores, muito midiáticos, donos de imensas e rentáveis contas nas diferentes redes sociais digitais. Mas, a questão central do filme não está aí, até porque sob este aspecto, é raso. O que chama a atenção é a inteligência e a efetividade das estratégias publicitárias. Para além das ações previsíveis de um grande filme americano, como divulgação das primeiras imagens, cenas do set de filmagens, pôsteres dos personagens, teasers e trailer, lançamento da trilha-sonora oficial e uma ampla turnê de entrevistas e eventos para imprensa com os protagonistas em diversos países, outras ações foram implementadas. De collabs com o BK produzindo o pink Burguer, a coleções de moda com a Zara, apenas para citar parcerias no Brasil, os licenciamentos promoveram e promovem a capilarização e a vivência cotidiana com diversos signos expressivos da marca. Outra ação potente é com o Google, uma vez que ao digitar “Barbie filme”, a tela no seu computador ficará toda rosa e estrelas rosa choque pulularão na sua tela…
Uma das lições essenciais da semiótica da marca refere-se ao manejo dos aspectos qualitativos da marca, principalmente aqueles que são capazes de conectarem uma cadeia de significados absolutamente aderente ao referente, no caso, ao produto boneca Barbie e aos efeitos pretendidos, os interpretantes desejáveis. Essa dimensão qualitativa-icônica, explorada pelos gestores de Barbie há décadas, foi intensificada e elevada à máxima força, tornando o signo pink, o unificador de todos os sentidos do universo sígnico Barbie. E como todo signo icônico, goza da capacidade sensível e primeira de nos tomar pelos sentidos, atuando muito antes de termos qualquer possibilidade cognitiva de compreensão, momento em que já entramos na secundidade.
A ecologia publicitária implementada na atual campanha foi capaz de fazer ressurgir o fenômeno Barbicore em todo o ocidente, criando uma ambiência pink que suporta e fecunda os mais diversos rituais de consumo, colocados em circulação midiática, uma vez que há incentivos constantes na publicização de todos os pontos de contato com o menor e mais sutil signo expressivo de Barbie. A hashtag barbiecore no Tiktok é apenas um desses exemplos de indução. O filme Barbie é o exemplo mais significativo da capacidade irradiadora, de construção de vínculos emocionais por meio de explorações nostálgicas e de vendas de produtos e serviços que uma inteligente campanha publicitária é capaz de promover lançando mão da integração e da sobreposição de ações em diferentes mídias e fora delas, transbordando-as. Barbie criou um universo signico estético, seguro e fantasioso, tudo o que precisamos para suportar o presente angustiante em que vivemos. E na nebulosidade do futuro, uma reverência ao passado.
Por Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.