Empresas brasilienses investem em gestão humanizada, comunicação estratégica e bem-estar emocional para sustentar criatividade e engajar diferentes gerações no presente
Em um cenário em que a saúde mental das equipes, a fluidez entre gerações e a velocidade da inovação definem o pulso das organizações, educar para o agora virou prioridade. A comunicação interna, que por muito tempo foi tratada como suporte, hoje, se posiciona no centro da estratégia do desenvolvimento humano. E as lideranças, pressionadas por múltiplas exigências, precisam reaprender a liderar com empatia, dados e propósito.
Segundo o Ecossistema Great People 2024, a capacitação da liderança aparece como o terceiro principal desafio enfrentado pelas organizações brasileiras. Isso reflete não só a necessidade de preparo técnico, mas sobretudo a urgência de formar líderes que saibam escutar, inspirar, integrar e cuidar, tudo ao mesmo tempo.
Além disso, a 7ª edição do relatório “Tendências em Gestão de Pessoas 2025”, realizado pelo Great Place To Work (GPTW) em parceria com o Ecossistema Great People, apontou que, em 2023, a saúde mental ocupou pela primeira vez o topo da lista de desafios enfrentados pelas empresas brasileiras na gestão de pessoas. Diferente do ano passado, quando a campeã foi a comunicação interna.
Na prática, grandes empresas brasileiras, com operações sediadas em Brasília, vêm trilhando caminhos distintos, mas convergentes, em torno desse novo paradigma. Ambas mostram que investir em comunicação, bem-estar e cultura é mais do que tendência: é estratégia de sobrevivência.
Liderança influencia, não só comanda
Na FSB Holding, uma das maiores consultorias de comunicação estratégica do país, Cibele Moran, head de Desenvolvimento Organizacional, destaca que o equilíbrio entre excelência e bem-estar é a base da sustentabilidade. “Aqui reconhecemos que a excelência na entrega só é sustentável quando existe equilíbrio. Por isso, desenvolvemos um programa de capacitação exclusivo para a nossa liderança, potencializando e capacitando nossos líderes como pontos de influência inspiradora para suas equipes. Contamos ainda com programas de acompanhamento psicológico e bem estar. Nosso lema ‘entregar mais do que o cliente espera‘, está sempre acompanhado de um olhar genuíno para os nossos times”, afirma.
Além disso, uma outra questão que, se não cuidada, pode transformar-se em uma dor, chama-se diversidade geracional. Para lidar com ela, segundo Cibele Moran, no decorrer das trilhas previstas em cada ano, diversas oportunidades de aprendizado mútuo de conhecimentos com profissionais internos e externos com maior vivência profissional são aplicadas. “Contamos ainda com uma estratégia de mentorias internas para nossos talentos. Há também squads colaborativos onde existem espaços seguros para diálogo e trocas verdadeiras”, disse.
3Ps
Como exemplo de incorporação do propósito organizacional na gestão de pessoas e na cultura interna de uma empresa, Sérgio Garcia, gerente executivo de Gente e Cultura da Bancorbrás, detalha que, atualmente, a instituição realiza um trabalho nas organizações com base em 3Ps (pessoas, processos e propósito). Garcia explica que “há uma interdependência na tríade, mas sem um propósito claro que define a razão de ser da organização, as pessoas não assumem atitudes para se moverem no sentido do alcance dos objetivos estratégicos”.
Nesse sentido, o gerente executivo destaca que a cultura organizacional é a liga que consolida o propósito integrado no dia a dia das pessoas e na execução dos processos. “Sem esse norte bem definido, o sentido de atuação desse conjunto fica disperso ou sem uma bússola que nos permita alcançar a visão organizacional”, disse.
Garcia acrescentou que comportamentos, sistemas e processos, performance, comunicação e atuação da liderança disruptiva e humanizada são aspectos angulares que podem reforçar o propósito de uma empresa. Para ele, o colaborador sempre tem a percepção clara de que a empresa está mudando e que ela precisará mudar junto. “É assim o caminho que definimos para reinventar uma empresa com o engajamento de todos em torno do propósito. Não podemos ocultar que mudanças geram dor e sofrimento. Nesse sentido, não devemos esquecer de ações de bem-estar para reduzir o estresse, sensações de ameaça, adoecimentos e outras manifestações comportamentais que possam interferir na cadência do processo e garantir a saúde de todos, sempre que possível”, enfatiza.
No entanto, nem tudo são flores no mundo da liderança organizacional. Cibele Moran, da FSB Holding, é direta ao apontar o que mais pesa nas costas dos gestores hoje: o tempo. “Um gestor tem alguns pilares como, clientes, resultados, governança, e claro, o time. Isso por si só já gera uma habilidade de gestão do tempo e delegação a todos os que ocupam cargos de liderança. Agora, nesses tempos de excesso de telas e conexão virtual, pode haver uma falsa sensação de proximidade com o time. Mas nada substitui boas conversas, conexão verdadeira e pessoal que gera verdadeiramente aos líderes insumos e capacidade de acompanhar, orientar e cuidar”, alerta.
Gerações criativas
Quando se fala em mercado criativo, é corriqueiro lembrar da intensidade, prazos curtos e alta exigência emocional. Contudo, diante do cenário onde a saúde mental tem sido levada em conta e tão militada como prioridade nos dias atuais, quais ações as empresas devem aplicar para manter o bem estar de seu time, sem comprometer a entrega criativa?
Para Silvana Lopes, diretora de Recursos Humanos da Calia, em Brasília, uma vez que mercado criativo é, de fato, muito dinâmico, com prazos desafiadores e exigindo das equipes equilíbrio emocional, desde 2022, a Calia implantou para os seus colaboradores o Programa de Qualidade de Vida chamado de “Calia, Corpo e Mente” (CCM), por acreditar que cuidar do bem-estar físico e emocional é essencial para sustentar a criatividade e a alta performance. O programa foi desenhado para promover equilíbrio, saúde mental e integração, alinhado aos valores da empresa, que são “Respeito, Equipe, Comprometimento, Proatividade, Criatividade, Eficiência, Lucratividade, Resiliência e Excelência”, que servem como base para a construção de um ambiente seguro, inspirador e colaborativo.
“Incentivamos cada colaborador a colocar seu bem-estar em primeiro plano, entendendo que um time saudável emocionalmente e valorizado tende a produzir com mais qualidade, criatividade e propósito. Acreditamos que preservar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional não apenas enriquece a jornada individual, mas também potencializa a entrega criativa e o resultado coletivo. Nosso desafio diário é manter essa cultura viva, criando ações e práticas que cuidem das pessoas sem comprometer o brilho, a energia e o dinamismo que são a essência do mercado criativo”, detalhou a diretora.
Contudo, reforça ainda que “a gestão de pessoas não é uma responsabilidade exclusiva do RH”. Para ela, o trabalho é coletivo e só alcança resultados reais quando conta com a colaboração ativa de cada líder de área. Ou seja, cada liderança tem um papel fundamental nesse processo, pois são esses gestores que convivem diretamente com suas equipes, percebem as demandas do dia a dia e ajudam a traduzir a cultura organizacional em atitudes, acolhimento e direção.
Em concordância e fomentando essa educação cultural interna, Sérgio Garcia destacou que o líder deve ser a grande inspiração num movimento de cultura. Para ele, “liderar pelo exemplo, estabelecer uma visão clara de onde queremos chegar e ser coerente entre o que se fala e o que se faz, move as pessoas ao engajamento”.
“O grande desafio da liderança hoje é a de assumir papéis inspiracionais. Assumir o protagonismo como líder criador de ambientes de aprendizagem, atuar de forma ambidestra, ser conector, ser um líder exponencial, já que as mudanças acontecem numa velocidade enorme. Ser colaborador, comunicador e fazer gestão baseada em dados. A liderança deve ser disruptiva, já que precisamos adequar nossas organizações a ambientes em mudanças constantes e rápidas”, alertou.
Comunicação e reputação
Dentro do aspecto de que uma fluida comunicação interna e seus gestores podem colaborar ou não com a construção da reputação de uma empresa, Cibele Moran traz como case as ações desenvolvidas pela própria FSB que visam manter a boa imagem da empresa lá fora, mas sempre olhando para o que está acontecendo dentro.
“O time de Gente e Gestão está sempre empenhado em contribuir na construção dessa imagem ao garantir alinhamento das nossas pessoas com nossos valores, desde o início da jornada, ao selecionar e desenvolver talentos alinhados ao nosso propósito. Além disso, temos foco em criar experiências cada vez mais positivas durante o ciclo de vida dos nossos profissionais. Investimos cada vez mais na nossa marca empregadora, em comunicação interna estratégica, em mantermos bons indicadores de clima e criarmos iniciativas que gerem orgulho de pertencer”, disse.
Nesse sentido, Silvana Lopes contribui reforçando que fazer gestão de pessoas não se trata de uma ciência exata. Para a especialista, é preciso olhar para as variáveis humanas, respeitar as individualidades e compreender que, antes de profissionais, “todos somos pessoas em busca de sentido e pertencimento”.
“Nesse contexto, o papel de cada líder de departamento juntamente com o RH é decisivo para criar ambientes emocionalmente seguros, produtivos e criativos. Uma boa liderança, nesse cenário, é aquela que ouve, acolhe, inspira pelo exemplo e estimula o crescimento coletivo, sem abrir mão da leveza e da humanidade”, finalizou.