12ª edição

Cartas de John A. Davis para as Gerações 

Por Redação

19/06/2024 09h00

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Imagine que você possa receber os principais insights que auxiliam no processo de sucessão em uma empresa familiar diretamente de um dos maiores nomes do ramo empresarial. John A. Davis, fundador da Cambridge Family Enterprise Group, escreveu duas cartas – uma para a Geração Júnior e outra para a Geração Sênior – com dicas e recomendações de como trabalhar o processo de sucessão de diferentes gerações com anseios diversos.

Confira a seguir as orientações, que estão disponíveis também no livro “O segredo das famílias empreendedoras – o que pode impulsionar o sucesso dos negócios na próxima geração”, baseado em 10 anos de diálogos intergeracionais em Harvard, de autoria de John Davis, Maria Sinais e Courtney Collettte.

Carta aberta à Geração Júnior

Aos membros da nova geração,

Devotei boa parte de minha carreira para conhecê-los – integrantes da geração de sucessores em famílias empresárias de sucesso. Quando comecei minha carreira, eu tinha a idade de vocês e compartilhava de sua perspectiva de vida e de trajetória profissional. Agora, tenho a idade de seus pais e compartilho a deles. Mas permaneci conectado a membros da geração mais jovem ao longo de meu trabalho com as famílias clientes às quais servi, assim como aos meus alunos. Por muitos anos, ensinei sobre gestão de empresas familiares e planejamento de vida e de carreira aos alunos de MBA da Harvard Business School (HBS). Também ensinei liderança a pessoas da minha idade em programas executivos na Escola. E, é claro, estive à frente do programa Families in Business por 17 anos. Essas conexões me ajudaram a entender o que você vivencia em sua vida e carreira. E essa experiência reforçou meu compromisso profissional de ajudar sua geração a desenvolver a compreensão e as habilidades para ser bem-sucedida e descobrir seu lugar dentro do empreendimento da família.

Vocês todos começaram em diferentes locais, com interesses, talentos, níveis de apoio, circunstâncias familiares, contextos empresariais e fatores setoriais diferentes que influenciam seu pensamento sobre planos profissionais e pessoais. Para alguns a jornada é mais fácil do que para outros. Mas todos sentem alguma pressão devido a obrigações reais ou percebidas impostas a vocês desde o nascimento; à expectativa da família de que você seja leal a uma empresa que não criou e que pode ou não interessá-lo; e ao fato de que sua família e a empresa provavelmente dominam sua identidade e seu senso de tradição. A pressão que você sente é pessoal – você não quer desapontar seus pais, sua família ou a si mesmo. Você não quer ser “a geração que estragou tudo”. Há muito com que lidar.

Você não escolheu nascer em uma família como a sua e isso não deveria ditar sua trajetória. Você tem opções quanto ao que fará e como vai se engajar com seus parentes e com a empresa. Quero ajudá-lo a fazer de sua vida o que você quer que ela seja. Se sua paixão como carreira for o negócio familiar, corra atrás disso. Mas, se não for, não. Quase nunca funciona para uma pessoa ou para sua família sacrificar a própria carreira para agradá-la. Faça de você e de sua jornada uma prioridade. Saiba o que quer. Descubra o que o torna único e capaz de agregar valor, e faça uso disso. Tenha uma missão pessoal, como uma filosofia e um conjunto de valores próprios. Tenha metas, mas reconheça que elas são os meios, e não o fim, para uma jornada gratificante.

Se você escolher não se envolver com o negócio familiar, tudo bem. Tanto quanto possível, permaneça informado a respeito. Tente representar bem sua família e dar apoio a ela, a menos que uma relação com seus parentes não seja saudável para você. Se for criticado por não ser mais envolvido com a empresa, seja respeitoso em sua resposta, mas claro quanto a seus interesses. Eleve-se acima do drama, da fofoca e de quaisquer esforços no sentido de coagi-lo ou a qualquer outro membro.
Se você escolher não trabalhar na empresa familiar, mas quiser permanecer envolvido como proprietário, membro do conselho, membro do conselho familiar ou de quaisquer outras formas, demonstre seu interesse. Você pode ser um importante colaborador para o sucesso e a sobrevivência da organização. Prepare-se bem para seus papéis, trabalhe duro e agregue valor. Seja um apoiador do negócio e de sua família e ajude os dois a serem o melhor que podem ser. Costuma ser útil repensar a forma como você a vê. Distancie-se dos estereótipos em relação aos indivíduos, e aos ramos – sua irmã mimada, o lado dos primos preguiçosos, seu tio desagradável ou seus pais controladores – e considere a possibilidade de ajudar a criar um time unido (mesmo com algumas personalidades complicadas nele). Ouça e tenha empatia pelos interesses e pelas preocupações de seus parentes. Aborde questões que precisam ser tratadas. Seja diplomático e trabalhe por soluções realistas. Mais importante: seja um agregador.

Se escolher trabalhar na empresa de sua família e suceder a Geração Sênior, então não espere favores: atenda os critérios para se empregar no negócio, trabalhe mais duro do que qualquer um, peça feedback de seu desempenho e faça bom uso dele. Ganhe o respeito de seus colegas. Seja tão profissional quanto seria em qualquer outra companhia. Estabeleça parâmetros altos e represente bem sua família em tudo o que fizer. Demonstre aos outros que você tem a vontade e o bom senso necessários para liderar a empresa um dia.

O desafio de dar continuidade à empresa familiar é grande. As chances estão contra a sobrevivência de qualquer negócio por mais de uma geração e uma organização desse tipo tem camadas extras de complexidade. Há vários fatores que levam ao sucesso e à sobrevivência, mas uma vez que ela chegou até aqui, honestamente, o sucesso futuro depende principalmente de você e de que a Geração Sênior faça uma gestão bem-sucedida da transição, da propriedade e da governança para a sua geração. Grandes desafios geralmente exigem grandes pessoas para abordá-los. Admiro pessoas que os assumem e espero que você seja um deles.

É claro que pode haver grandes benefícios e um grande orgulho ao continuar na empresa familiar. Essa pode ser uma ótima estrada para se percorrer. Você pode se preparar para o desafio, mas há bons conselhos sobre como fazer isso, e espero que a Geração Sênior o ajude. Eu já escrevi meu conselho para eles

Eis aqui como você os ajuda a ajudá-lo.

Sua geração é compreensivelmente focada em como provar que pode fazer o trabalho, demonstrar compreensão e habilidade, e ser vista como adultos críveis e profissionais. Isso, é claro, é necessário e merecido (para a maioria dos sucessores). A Geração Sênior concorda que você merece ser tratado como profissional (só não fique se gabando de seu MBA para os demais colaboradores) e como adulto (saiba que vê-lo assim é um pouco difícil para eles). Mas – lembre-se disso – eles nunca deixarão de senti-los como filhos, como pessoas com quem se preocupam e para as quais querem o melhor. Eles querem que você seja urna pessoa boa e feliz. Querem que construa suas habilidades e autoconfiança, tenha e persiga sonhos, seja responsável e humilde, entenda a história de sua família e o negócio, abrace os valores e a visão que construíram, trate os parentes com respeito, nutra um relacionamento harmonioso com eles e represente bem seu legado. Isso é muito a se esperar de alguém.

Além do mais, nunca é demais enfatizar quanto a Geração Sênior quer que os membros da família se saiam bem. Também quer saber que você aprecia tudo o que fizeram para construir a empresa e ajudar sua geração. Além disso, desejam ter certeza de que você não vai mudar tudo o que criaram e ignorá-los assim que sua geração assumir. Isso praticamente cobre tudo.

Converse com seus pais e outros membros da Geração Sênior de modo a entender pontos de vista específicos sobre seu desenvolvimento. Seus interesses e suas metas podem parecer mais com os deles quando você tiver a idade deles e estiver negociando com seus filhos.

Depois de tentar entender os Seniores, mostre a eles que está tentando dar-lhes (em boa medida) o que querem. Reafirmar às pessoas que você apoia amplamente seus objetivos e interesses ajuda-os a relaxar e os encoraja em relação a seus interesses e suas metas. Então facilite para os Seniores apoiar seu desenvolvimento e, em última instância, sua sucessão.

Ao longo desse processo, você é responsável por compreender seus interesses e talentos, ao lado dos interesses e talentos de outros membros de sua geração, e, com polidez, defender suas ideias. A Geração Sênior é responsável por esclarecer seus próprios desejos e expectativas e aceitar a realidade de que nem todos os Integrantes de sua geração quererão ou merecerão ser igualmente envolvidos no negócio da família.

Em vez ele encorajá-lo a ser paciente e esperar que eles deem o primeiro passo (tenho certeza de que você ouviu muito esse conselho), encorajo você a envolver a Geração Sênior em um diálogo e que inicie ações com o apoio dela. Marque reuniões periódicas com pautas definidas e ouça com atenção os interesses e as preocupações dos mais velhos. Peça feedback e avaliação de suas ideias e habilidades, gere governança e planos de desenvolvimento – ofereça-se para tomar a frente no sentido de propô-los, uma vez que essas atividades ajudarão no desenvolvimento de sua geração. E especialmente expresse reconhecimento aos Seniores pela contribuição que deram à empresa e à sua geração. Se seu diálogo emperrar, ouça mais do que fale, mas siga em frente. Sugira pedir a um terceiro que medie as discussões.
Independentemente de qual papel você escolher no negócio, ser um membro de uma família empresária tem muitas vantagens e desafios que o moldarão como pessoa. Espero que você construa sua vida para que seja significativa, respeitosa com a geração anterior e colaborativa com muitos.

Com os melhores votos,

John A. Davis

Cambridge, Massachusetts

Carta aberta à Geração Sênior

Caro Líder da Empresa Familiar,

Sei que você sabe disso, mas vou dizer mesmo assim: transições sucessórias são processos de alto risco para sua empresa e para sua família. Se conduzir mal esse processo, seu negócio e sua família provavelmente serão afetados, e há muitas formas de conduzir mal uma transição. Você pode escolher a pessoa errada para sucedê-lo como líder da empresa; esperar demais para fazer a transição da autoridade de gestão e do controle de propriedade; passar a propriedade a membro da família que não são bons no trabalho dedicado a ela; não desenvolver o trabalho em equipe na geração seguinte; não preparar o funcionários para aceitar um novo líder (vamos encarar os fatos, eles gostam de você); não estabelecer uma boa governança para ajudar a geração seguinte a tomar decisões; e não deixar a empresa em boa situação financeira e organizacional.

Transições sucessórias também são complicadas, tanto organizacional como emocionalmente. Todos sabemos que os negócios estão mudando rapidamente (considere apenas as mudanças recentes em tecnologias e globalização) e o líder certo para o futuro de sua empresa poderia ser diferente de você de algumas maneiras importantes. Mas quão diferente? Escolher um líder não é uma ciência e você, no fim das contas, é responsável por garantir que a escolha seja bem-feita. Se tudo correr bem, você tem uma ou mais opções em sua família, mas a transição para uma pessoa da família tem suas complicações. Por exemplo, como você promove seus herdeiros na organização, dando a eles experiência de gestão necessária para chegar a conduzir a empresa, sem desapontar os gestores leais e causar uma ruptura na organização?

Além disso, as complicações emocionais pessoais das transições sucessórias são profundas. Depois de passar décadas cultivando seu negócio, assumindo riscos prudentes para fazer seus bens crescerem, desenvolvendo a empresa, trabalhando com pessoas com quem você se conecta, tendo orgulho de suas realizações e, às vezes, arcando com o resultado de seus erros e com o ego ferido, você se identifica totalmente com o papel de líder. Mais ainda: provavelmente ainda é bom nessa função. É difícil deixar um trabalho de que você gosta, no qual é competente e que está totalmente associado a quem você é.
O tempo parece passar rápido demais. Muitos líderes parecem surpresos quando chega a hora de preparar a transição. Você provavelmente chegou a essa encruzilhada (ou vai chegar) mais cedo do que gostaria. Você sabe – racionalmente falando – que não vai viver para sempre e que precisará dar uma chance à próxima geração. Mas é difícil encarar a realidade de que o momento está aí (ou estará mais cedo do que você desejaria).

Os sentimentos em relação a essa transição são complicados. Você quer que seu filho herde seus valores e tenha ambição e motivação de modo que sua empresa e família possam continuar a ter sucesso depois de você. Pode até se lembrar e se identificar com a posição dele. Ao mesmo tempo, a necessidade de afastar-se e abrir mão de responsabilidades fundamentais pode parecer injusta para você e talvez pouco sábia para a empresa. Você ainda é bom em seu trabalho e, de várias formas importantes, provavelmente é melhor do que seu sucessor. Passar o bastão é um processo difícil e emocional. Entregar seu legado à próxima geração e empoderá-la a fazer algo diferente é um ato de generosidade notável e um ingrediente necessário para uma transição geracional bem-sucedida.

Eu entendo e me identifico com tudo isso. Mas é importante que você faça essa transição e que ela ocorra de uma maneira oportuna, de modo que sua empresa e sua família mantenham a trajetória. Se você interromper o momentum de seu negócio ou a motivação da próxima geração (porque você os segurou por muito tempo), pode afetar a sobrevivência de seu empreendimento. Eu o aconselho a não se colocar no caminho da dinâmica de sua empresa. Quanto antes começar a planejar e der passos concretos para fazer a transição funcionar, melhor.

Três coisas parecem tornar esse processo mais fácil para um líder. A primeira é saber que toda geração passa por isso; a seguinte vai enfrentar o mesmo desafio. A segunda é sentir-se admirado por suas contribuições para a família e a geração seguinte. A terceira é saber que você está passando seu legado para uma nova geração capaz e competente.

Na verdade, a preparação da nova geração é o que há de mais importante para garantir uma transmissão de comando geracional bem-sucedida. É ainda mais importante do que sair no momento correto. Veja que interessante: por mais que a preparação da geração seguinte não esteja totalmente sob seu controle: depende significativamente de suas ações. Quer você seja pai ou mãe, quer você seja o membro mais velho da família ou um líder de seu negócio, é sua obrigação ajudar a preparar a próxima geração para atingir “seu maior e melhor uso” na vida e estar pronta para herdar o que você planeja passar para eles. Se resistir a isso, ou planejar e executar mal o desenvolvimento da geração vindoura, os resultados provavelmente serão piores. Mais uma vez, é bem possível que eu esteja dizendo algo que você já sabe.

Os líderes que vejo desenvolvendo a geração seguinte e efetivamente fazem isso em parceria com ela. Juntas, as duas gerações constroem uma visão de futuro para a companhia e para a família que os sucessores têm motivação para conquistar. Decidem juntas de que tipo de talento precisam para conquistar aquela visão, e cada uma faz sua parte para se preparar para atingi-la. Os líderes de negócio realmente excepcionais que conheço dedicam-se à geração seguinte e fazem disso uma prioridade pessoal para ajudá-la a estar preparada. Então, quando consideram que está, cedem o poder e a autoridade na hora certa. É um longo processo, mas que vale a pena. Espero que este livro ajude-o a começar ou a continuar sua liderança no processo de transição. Desejo tudo de bom.

Com minha admiração por seu trabalho bem-feito,

John A. Davis

Cambridge, MA