A academia e o mercado podem (e devem) salvar a comunicação de riscos

Por Clotilde Perez

18/01/2023 09h00

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Se o distanciamento entre a academia e o mercado é um aspecto historicamente tratado no campo da comunicação mercadológica, sobretudo, no chamado gap entre a disponibilidade de conhecimento gerado pelas universidades e o uso efetivo por parte daqueles que planejam e produzem as campanhas publicitárias, quando olhamos para os desafios que envolvem campanhas de saúde pública, como as de combate à dengue e mesmo à COVID-19, esse distanciamento parece ser tornar ainda maior.

 

É precisamente dessa temática que trata a comunicação de riscos, ou seja, aquela que trata de mensagens que “expressam a natureza do risco e preocupações decorrentes da percepção de uma determinada situação” (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1989). Ela contribui, portanto, para a resolução de problemas centrais tanto de ordem local como global. Desafios de fazer com que as pessoas (i) não dirijam de modo irresponsável nas vias brasileiras, (ii) atentem-se para os riscos das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), (iii) para os males ocasionados pelo consumo de tabaco e (iv) se vacinem, são alguns exemplos onde a comunicação de riscos atua.

 

Contudo, apesar da evidente relevância desse tipo de comunicação (embora não seja a única solução para os problemas citados), basta que você, caro leitor, faça um breve exercício de recordação para notar que essas campanhas são, em termos de estratégia persuasiva, muito ruins: os apelos são sistematicamente repetidos e mal formulados. Afinal, será mesmo que dizer que água acumulada gera um ambiente favorável ao mosquito Aedes aegypti é o melhor uso que se faz dos valiosos segundos na televisão? O que e como comunicar para gerar uma maior adesão à vacinação contra a poliomielite?

 

É justamente nesse sentido, que o mercado pode e deve se aproveitar, no melhor dos sentidos, da produção acadêmica.  O próprio conceito de hesitação vacinal, abordado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tem permitido uma série de estudos e possibilidades para a compreensão da resistência à vacinação disponível. A ciência está aí para ajudar a elucidar sobre qual das três dimensões (chamados de 3Cs) da hesitação devemos agir: na complacência, na confiança ou na conveniência. Para cada uma delas, vemos cotidianamente atores e processos comunicacionais dissonantes, cuja identificação é primordial para uma campanha realmente eficaz de comunicação.

 

Ainda, uma clara noção de risco real, como aquele que é estatisticamente conhecido e calculado, e risco percebido, como sendo aquele risco subjetivamente avaliado pelas pessoas, (Beil, 2007) permite uma condução mais precisa de como uma população percebe e encara aquele problema como sendo uma real ameaça que mereça atenção e uma ação efetiva para evitá-la.

 

Por fim, uma dimensão que não poderia ficar de fora desta reflexão e que particularmente tenho acompanhado de perto nos últimos 10 anos é o tipo de enquadramento (framing) dado para retratar o problema em uma campanha de risco. Será que a famosa e recorrente cena impactante de um carro perdendo o controle e capotando, cheia de sangue e com pessoas sofrendo é sempre a melhor opção persuasiva para uma campanha de segurança no trânsito? Os estudos de abordagem científica parecem não estar certos disso.

 

Em uma de minhas pesquisas, na Universidade de São Paulo (Comunicação / ECA USP) em parceria com a Universidade Federal do ABC (Neurociência – UFABC), procurei compreender, observando dados de atividade cortical e informações declaradas pelos participantes, em que medida apelos emocionais negativos se mostravam mais eficazes que apelos positivos ou neutros (framing), e um dos achados mais importantes foi o de que a abordagem positiva não é menos eficaz que o apelo tradicional e negativo.

 

Diante disso, quais seriam os caminhos para um melhor aproveitamento do conhecimento científico? É certo que a questão é complexa e multidimensional, e envolveria um texto à parte. Por ora, meu objetivo é bem mais simples: o de trazer à tona uma breve reflexão sobre as possibilidades de uso do conhecimento científico aplicadas à comunicação de riscos no Brasil.

 

Diogo Kawano

Formado em Publicidade e Propaganda pela ECA USP. Cofundador e membro do Centro de Comunicação e Ciências Cognitivas da USP – LAB 4C. Coordenador do Laboratório de Tecnologias em Comunicação e Neurociência Aplicada – LTC&NA e docente do Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS). 

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.