Costuma-se dizer, sempre que se pensa na formação em nível superior de comunicadores, sobretudo na de publicitários, que se deve buscar um “pensamento crítico”. É de se supor – e só se pode supor, porque muitas vezes diz-se isso sem qualquer preocupação com referências mais claras – que, nesses casos, se esteja fazendo alusão ao pensamento alinhado à chamada Teoria Crítica. Considerando que os cursos superiores em comunicação, no Brasil em específico e na América Latina de uma forma geral, surgiram por volta dos anos 1960 e 1970, sabidamente em um cenário teórico muito influenciado pelos fundamentos da Escola de Frankfurt (MARQUES DE MELO, 2003, p. 72), tudo leva crer que seja a essa noção de “crítica” que se faça menção.
Max Horkheimer, um dos nomes mais importantes da famosa Escola de Frankfurt, escreveu em 1937 o hoje célebre texto “Teoria tradicional e teoria crítica”, procurando defender a visão que seu grupo assumia sobre o pensamento filosófico e sociológico, em contraposição à perspectiva predominante em outros recônditos teóricos. Diz o autor:
A separação entre indivíduo e sociedade, em virtude da qual os indivíduos aceitam como naturais as barreiras que são impostas à sua atividade, é eliminada na teoria crítica, na medida em que ela considera ser o contexto condicionado pela cega atuação conjunta das atividades isoladas, isto é, pela divisão dada do trabalho e pelas diferenças de classe, como uma função que advém da ação humana e que poderia estar possivelmente subordinada à decisão planificada e a objetivos racionais.
Para os sujeitos do comportamento crítico, o caráter discrepante cindido do todo social, em sua figura atual, passa a ser contradição consciente. Ao reconhecer o modo de economia vigente e o todo cultural nele baseado como produto do trabalho humano, e como a organização de que a humanidade foi capaz e que impôs a si mesma na época atual, aqueles sujeitos se identificam, eles mesmos, com esse todo e o compreendem como vontade e razão: ele é seu próprio mundo. (HORKHEIMER, 1980, p. 130)
É a essa forma de pensar que se faz referência quando se diz, no contexto da formação em publicidade, em “pensamento crítico”: uma mirada que procure escapar à alienação imposta pelo capital e, a partir da avaliação dos contornos oferecidos pelo contexto, seja capaz de formar um cidadão-profissional consciente de sua condição e capaz de atuar no sentido da transformação da sua realidade. E, de preferência, que possa fazer isso trabalhando naquilo em que escolheu se formar – no caso, publicidade.
Só que da Teoria Crítica à crítica destrutiva, o caminho é curto. Toma-se pela consciência do contexto a sanha destruidora que não leva a lugar nenhum – a não ser ao beco sem saída onde se amontoam aqueles que, enxergando apenas uma parte do tal contexto, misturam a busca pelas soluções às contradições com a defesa do fim de tudo. Transformam-se em agentes da crítica implosiva, sujeitos que, inconformados com tudo – talvez até consigo próprios, ou até por causa disso –, não enxergam saída ou possibilidade de transformação senão no ataque virulento a tudo o que está ao redor. Vislumbrando uma contradição moralmente – mais do que política ou ideologicamente – inaceitável onde talvez haja somente tentativa, complexidade e esforço, recusam qualquer tipo de negociação, ajustamento ou flexibilidade. E daí já não sobra mais nada mesmo, a não ser a torre de marfim dos pesquisadores que operam a ciência como se vivessem cem anos atrás, apartados da realidade, munidos de uma suposta consciência, não raro opaca, plantando dinamites em territórios que jamais foram capazes de pisar.
Um dia, em uma dura e linda sessão plenária de um congresso sobre publicidade, deparei-me com o fundo do poço, com o beco sem saída, com a sensação de que, diante daquelas críticas apresentadas pelos palestrantes, a única possibilidade de sobrevivência individual ou de transformação social estava nos coquetéis molotov atirados aos bancos, na metralhadora apontada aos inimigos ou na corda do autoaçoite. Perguntei, com o resto de voz e de esperança que me restava: e o que se pode fazer diante disso? Na mera impossibilidade de buscar outro caminho que não o do exercício da profissão que escolheram para si – e que nós, como universidade, aceitamos oferecer a eles –, o que podem fazer os publicitários formados nas bases do pensamento crítico?
Os palestrantes ficaram em silêncio, até que uma professora, daquelas de quem não se espera esse tipo de resposta – mas talvez de quem não se pudesse esperar outra coisa –, se levantou, pegou o microfone e respondeu: eles devem procurar as brechas. A elas, companheiros.
Referências
HORKHEIMER, Max. Teoria tradicional e teoria crítica. In: BENJAMIN, Walter; HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W.; HABERMAS, Jürgen. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
MARQUES DE MELO, José. História do pensamento comunicacional: cenários e personagens. São Paulo: Paulus, 2003.
Bruno Pompeu
Publicitário formado pela ECA-USP, doutor e mestre em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-USP, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso) e dos cursos de publicidade da ECA-USP e da ESPM-SP. Sócio-fundador da Casa Semio. brupompeu@gmail.com