A importância da análise da publicidade

Por Redação

26/10/2022 09h23

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Se é verdade que a publicidade moderna – esta produzida por agências especializadas, para anunciantes estabelecidos e veiculada em meios de comunicação – surge nas décadas intermediárias do século XIX, no contexto urbano pós-industrial, pode-se dizer que levou cerca de cem anos para que alguém, em âmbito acadêmico, percebesse que, por trás de sua camada expressiva mais evidente, havia elementos persuasivos de alguma complexidade, merecendo, assim, um olhar analítico mais atento e cuidadoso.

 

Costuma-se atribuir a Roland Barthes essa primazia, de ter apresentado pela primeira vez um trabalho teórico que aproximasse conceitos de linguagem – uma espécie de semiologia, não propriamente uma semiótica – da publicidade. Isso foi em 1964, em Paris, em clássico artigo publicado na revista Communicatións, no contexto da chamada teoria culturológica, quando autores ligados às ciências sociais e às teorias da linguagem, impactados por um ambiente comportamentalmente dinâmico, esteticamente vibrante, socialmente novo e culturalmente marcado pelo consumo, dedicaram-se a estudar e compreender fenômenos comunicacionais – como a propaganda.

 

Hoje, décadas depois, a prática de se analisar peças, campanhas e ações publicitárias segue sendo uma constante nos cursos de formação em publicidade, quase sempre tendo por intuito fazer com que os estudantes, reconhecendo as intrincadas engrenagens – complexas redes sígnicas, a rigor – que costumam compor a linguagem da publicidade, aprendam a desenvolver novas propagandas, igualmente ricas, interessantes e eficientes nas suas intenções de sempre: sugerir, seduzir, persuadir. Pode-se variar o método, do mais livre e descompromissado metodicamente ao mais rígido e protocolar em suas etapas – o que não muda é a recorrência dos exercícios de análise no percurso formativo dos publicitários.

 

Pois bem: para que serve a análise da publicidade, se não para formar publicitários capazes de produzir mais publicidade, também passível de ser analisada?

 

Em primeiro lugar, pensando a partir de um ponto de vista mais conceitual, a análise da publicidade serve para que se compreenda a sua crescente complexidade – seus dilemas, seus desafios, seus paradoxos, suas contradições, seus limites e suas possibilidades. Depois, ainda pensando mais pela perspectiva da formação, para que os futuros publicitários, não podendo alegar inocência, não venham a ser acusados de cinismo, por este ou por aquele material produzido, sem o devido cuidado e sem a devida compreensão de seus efeitos.

 

E é aí que está o terceiro – e talvez o mais importante, ainda que negligenciado – motivo para se praticar a análise da publicidade: evitar desastres, prevenir efeitos danosos, reduzir riscos, antever fracassos. Se nas agências de publicidade houvesse quem se dedicasse a analisar, com rigor metodológico, consciência crítica e generosidade intelectual, tudo o que se produz em termos de conteúdo e linguagem publicitária, certamente não teríamos uma publicidade tão desaforada, inconsequente e antissocial como a que muitas vezes temos hoje.

 

Isso porque a análise da publicidade, quando bem feita, ao passar pela sua dimensão dinâmica de contexto e referência – secundidade, diríamos os que preferem a semiótica de Peirce – dá conta da ampla e quase incontrolável dinamização da sua produção de sentido, confrontando intenção e potência, objetivo e vontade, idealização e realidade. Ou seja: faz com que o pensamento que produz a publicidade se desgarre saudavelmente do ambiente bolhoso das agências, dos clientes e dos meios de comunicação e toque minimamente a dimensão existencial densa do consumidor – esse sujeito que, além de consumir e enquanto consome, vive: tem gostos sofisticados, preferências imprevisíveis, sonhos que não se resumem ao consumo, dores que não se esgotam com compras, vontades condicionadas por um cotidiano desconhecido e variável, referências próprias dos múltiplos grupos a que pertence etc.

 

Que os métodos de análise ensinados nos cursos superiores de publicidade do país inteiro não sejam mais vistos apenas como recurso pedagógico ou como instrumento de desenvolvimento intelectual. Que seja também recurso prático, profissional, cotidianamente praticado pelos nossos melhores profissionais, contribuindo para o desenvolvimento de uma publicidade cada vez mais próxima de seu público, consciente de tudo aquilo que ela pode provocar e promover – às vezes para o mal, mas, se possível, para o bem.

 

Bruno Pompeu

Publicitário formado pela ECA-USP, doutor e mestre em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-USP, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso) e dos cursos de publicidade da ECA-USP e da ESPM-SP. Sócio-fundador da Casa Semio. 

brupompeu@gmail.com

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.