Artigo
As mulheres, incentivadas pela mídia, em especial pela publicidade, têm seus objetivos de vida concentrados à produção de um corpo normatizado pela cultura estética: academias de musculação; passeios em parque; clínicas de cirurgias plásticas; tratamentos estéticos; cintas redutoras, entre outros recursos disciplinadores são itens de consumo presentes no estatuto do corpo feminino. Para a psicanalista Maria Rita Kehl a possibilidade de incrementar um corpo ideal, com a ajuda de técnicos e químicos do ramo, confunde-se com a construção de um destino, de um nome, de uma obra.
Segundo a publicidade, com seu discurso terapêutico, o corpo feminino deve ser tratado e consertado constantemente por meio de produtos e serviços em nome da saudabilidade e da beleza. Não é mais importante ver quem você é, mas sim como seu corpo se apresenta. Com alegria e otimismo os produtos apresentam-se com a tarefa de curar os corpos aflitos. A beleza reduz-se então a um conjunto de signos que se intercambiam. Os corpos reparados são decodificados e os resultados são expostos por uma matemática composta por quilos e centímetros a menos.
Além da mídia, a moda também fez dos corpos magérrimos o ideal do imaginário feminino e somente no século XXI passou a dar mais atenção à anorexia nervosa, doença que há muito rondava as passarelas. Tarki Cordas (2006) afirma que o aumento do número de pacientes com anorexia nervosa nas últimas décadas sinaliza uma “epidemia” do transtorno alimentar.
Mas vale ressaltar que não é de hoje que a privação alimentar – a punição mais conhecida para que o corpo se aproxime da alma – é considerada a salvação do homem, segundo a historiadora Mary Del Priore (2006). Desde a Idade Média, havia os que jejuavam à base de pão e água, os que ingeriam líquidos fétidos e os que engoliam somente as hóstias consagradas. A abstinência proporcionava a sensação de ser mestre, e não escravo, do corpo. E no século XXI, uma forma de privação tornou-se conhecida na mídia e tem presença cativa no mundo da moda: a anorexia.
As dietas e a magreza começaram a ser preocupações femininas quando as mulheres ocidentais receberam o direito do voto em torno de 1920, entre 1918 e 1925 e somente nos anos 50, no momento da regressão feminina segundo Wolf (1992) – quando os Estados Unidos abraça o American Way of Life, isto é, o estilo de vida americano concentrado nos conceitos de felicidade e liberdade alcançados pelo consumismo, com uma mulher volta a cuidar dos filhos e dos afazeres do lar – por pouco tempo as formas naturais, arredondadas, puderam ser apreciadas, visto que as mentes femininas estavam ocupadas com as atividades domésticas. No entanto, quando as mulheres retornaram aos escritórios e as fábricas, esferas pertencentes ao universo masculino, esse prazer estético teve de ser sufocado por meio de um dispositivo regulatório social que transformaria os corpos nas prisões que seus lares já não eram mais, confirma Naomi Wolf (1992), em seu livro O mito da Beleza.
Em oposição à magreza das passarelas, surgem também, mulheres musculosas, cujos corpos são reconstruídos em academias de ginástica. Para Sthephanie Malysse (2002), a aquisição de músculos representa uma nova inscrição corporal, uma marca social e cultural impressa no corpo. Em suma, para que seu corpinho se transforme em um corpão, a publicidade convida a mulher a encarar o seu físico como uma obra de arte, uma espécie de esboço estético, que deve ser redesenhada e esculpida de acordo com o padrão vigente ditado pela moda. O corpo aparece como um campo de batalha, um terreno de conflitos e resistências, onde as diferenças de raça, gênero e nacionalidade parecem desaparecer sob o peso das escolhas individuais em relação ao corpo (MALYSSE, 2002).
A partir do século XXI, com a aceleração do processo de globalização, as mercadorias de diversos países passaram a ser trocadas facilmente, surgindo assim a necessidade de criar um corpo único, livre de formas étnicas, valores culturais e normas sociais que formem o padrão de beleza de cada país, ou de cada cultura. As mulheres, em especial, acatam essa padronização, e assim são insatisfeitas com seus corpos, suas medidas, suas aparências.
A mídia adquiriu um imenso poder de influência sobre o universo feminino, massificou a paixão pela moda e tornou a aparência uma dimensão essencial na sociedade do espetáculo. A mulher passou a questionar mais o corpo que a natureza lhe deu, gerando um contingente feminino imenso que sonha em ser magra, mas vive gorda.
Selma Felerico
Publicitária formada pela ESPM. Mestre e Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Pós – Doutora em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP. Professora de Graduação e MBA, na área de Comunicação e Marketing, desde a década de 1990, na ESPM, FAAP, Casper Líbero e Mackenzie. Atualmente é professora da Área de Negócios da Universidade São Judas Tadeu e na FIA /SP. Autora de diversos artigos e do livro: Do Corpo Desmedido ao Corpo Ultramedido. A narrativa do corpo na revista brasileira.