Antonela Braga, vapes e a geração Z em uma sociedade do avesso: a busca por autenticidade na hipermodernidade

Por Redação

17/09/2025 09h35

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Como marcas como a de Antonela Braga e a cultura dos vapes transformam estética em linguagem e consumo em identidade, em um mundo onde ser é, antes de tudo, compartilhar

Por Laís Trevizano, estrategista de marcas, mestranda em Ciências da Comunicação pela ECA USP e pesquisadora do GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo

Vivemos uma era de dissoluções. Tradições, carreiras e vínculos se esvaem em narrativas digitais. Zygmunt Bauman chamou isso de “modernidade líquida”; a antropóloga Letícia Cesarino, de “mundo do avesso”. Nesse cenário, estruturas como família, religião e Estado perdem centralidade, e o consumo emerge como o novo ritual de construção identitária.

Para a Geração Z — nativa digital, hiperconectada e emocionalmente codificada — consumir vai além da posse: é um gesto de pertencimento. Produtos se tornam mediadores de afeto e identidade, compartilhados em redes sociais por meio de códigos estéticos reconhecíveis: cores pastéis, contrastes vibrantes, tipografias arredondadas. Cada escolha visual comunica quem se é — ou quem se deseja ser. Nesse contexto, consumir é uma forma de expressão. Um pirulito não é apenas um doce; é um marcador de grupo. Um vape não é só um dispositivo; é um símbolo de rebeldia, filtrado por algoritmos.

Aos 16 anos, Antonela Braga é um fenômeno digital. Com mais de 11 milhões de seguidores entre TikTok e Instagram, ela compartilha vídeos de “arrume-se comigo para ir à escola” enquanto exibe objetos de desejo de moda e beleza. Antonela encarna o paradoxo da Geração Z: uma “eterna adolescente” que vende nostalgia infantil com a precisão estratégica de uma CEO. Após conquistar uma legião de fãs — e se envolver em uma recente “treta teen” — ela lançou sua própria marca: a Ticky Candy, em parceria com a SugarPop. O produto? Pirulitos zero açúcar transformados em objetos de culto estético e nostálgico.

A estética da marca não é ingênua. Cores pasteis, formas lúdicas, embalagens que remetem a brinquedos dos anos 2000 com toques surrealistas e futuristas — tudo cuidadosamente desenhado para dialogar com o imaginário da Geração Z. Por trás do design, há uma narrativa de inocência digitalizada, uma sofisticação sem esforço e, sobretudo, pertencimento. Como diria o sociólogo Jean Baudrillard, não consumimos pelo valor de uso, mas pelo valor de signo. A Ticky Candy é altamente compartilhável — e isso é parte da estratégia.

Segundo o site da marca, Ticky é um movimento: um novo lifestyle, cool e saboroso. Mas também se posiciona como alternativa aos vapes — cigarros eletrônicos saborizados — que, embora proibidos pela ANVISA, continuam acessíveis via mercado paralelo. Enquanto Antonela vende doces sem açúcar, os vapes seduzem adolescentes com design brilhante e sabores como “manga-hibisco”. Ambos operam sob a mesma lógica ritualística e performática: fumar vape em um rolê é tão simbólico quanto postar um Ticky Candy. O design é a isca: vapes em formato de USB, reluzentes e desejáveis; pirulitos com embalagens nostálgicas e divertidas.

O paradoxo é claro: pirulitos são doces para adultos que brincam de ser crianças. Vapes são vícios para adolescentes que performam ser adultos.

A Geração Z valoriza a individualidade, mas constrói sua identidade por meio de microtendências coletivas — cottage core, clean girl, entre outras. O consumo torna-se um acessório da personalidade. Quando Antonela promove sua marca, seus seguidores não adotam apenas os pirulitos, mas também roupas oversized, adesivos de nuvem e até gírias — “ticky” virou sinônimo de “fofo”. Instagram e TikTok são os palcos dessa plataformização do cotidiano, onde produtos viram performances e o like é a validação de que o signo foi corretamente decodificado.

Vivemos a economia do afeto. Em um mundo sem grandes narrativas, o consumo se torna o principal vetor de esperança e satisfação — ainda que momentânea. É a lógica do “mesmo, mas diferente”: produtos precisam parecer novos, mas sem romper com a estética dominante. Um ciclo vicioso: o indivíduo se sente só, consome um signo de pertencimento (pirulito, vape, etc.), compartilha para validação e aguarda o próximo lançamento.

Em uma sociedade do avesso, o consumo é a última grande narrativa. Fragmentamos nossa identidade em signos compartilhados. Mas a pergunta permanece: quando a auto expressão se reduz a uma coleção de produtos esteticamente alinhados, qual o limite entre autonomia e conformismo digital?

Decifrar os códigos por trás de um pirulito ou de um vape é mais do que um  exercício semiótico — é um passo para entender se estamos nos construindo como indivíduos ou apenas nos decorando com signos passageiros.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.