Destaque

Barbie Core – “Life in plastic is fantastic!”

Por Redação

19/10/2022 10h10

Compartilhe
  • Whatsapp
  • Facebook
  • Linkedin

 

Casacos de pele, cintura baixa, brilho, mini saias, salto alto grosso e inúmeras combinações de um estridente rosa choque; popularizado por trends do Tiktok, o Barbie core – que surge como a aposta de moda desde meados de Julho de 2022 – está cada vez mais presente no street style de famosas como Dua Lipa, Kim Kardashian e Lizzo, mas também na identidade visual, coleções e campanhas de moda.

 

Para aqueles que não acompanharam a movimentação cor-de-rosa das redes e passarelas, o Barbie core trata-se de um estilo que abraça os signos da estrela da Mattel, trazendo para o gosto popular acessórios, combinações e maquiagem que remetem a boneca e, principalmente, as múltiplas combinações de um pink saturado e ultra-feminino.

 

Moda é modo, a maneira como determinado grupo social vive e se expressa, e ainda que o surgimento de novas febres na moda pareça fruto de um mítico e orgânico inconsciente coletivo, é interessante observar enquanto tendências vão surgindo, se esgueirando, ganhando força e transbordando até conquistarem o gosto popular.

 

Veja o Barbie core, por exemplo, há quem atribua o surgimento da tendência como fruto do furor das imagens de divulgação do tão esperado live action da Barbie estrelado por Margot Robbie; alguns blogs apontam o  pink que toma conta de produções monocromáticas nas passarelas da Valentino em sua Pink PP colection como sendo a origem da tendência; outros, trazem como referência as parcerias feitas entre a Balmain e a Mattel que possui como produto peças de roupas e acessórios para pessoas, bonecas e NFTs, prometendo fazer a personagem extrapolar as fronteiras do físico e do digital.

 

Muitas histórias de origem, todas corretas à sua maneira, mas apesar das produções criativas de 2022 caminharem em uma direção que despertasse desejo pelos signos dessa tendência, a verdade é que o mundo da moda tem flertado com um revival da Barbie a tempos.

 

Seja em referências no street style da cena cultural LGBTQIA+ desde os anos 2000, ou em 2015 quando Jeremy Scott, nas passarelas da Moschino, leva a figura da Barbie para a realidade de maneira tão saturada quanto o rosa que ostenta, ou, ainda, quando, em 2019, Herchcovitch idealiza uma coleção inclusiva em parceria com a Riachuelo intitulada Barbie a la garçonne, é possível perceber uma movimentação e um desejo: o pink aparece como signo de uma vontade antiga de democratizar o universo Barbie Girl.

 

Desde sua criação, a boneca que invadiu as casas e mentes de meninas sempre foi símbolo de um ideal inalcançável de feminilidade: o corpo perfeito, o cabelo perfeito, o guarda-roupa perfeito, o carro perfeito, a casa perfeita e o namorado perfeito; perfeito para quem?

 

A plasticidade de seu design ensinava desde cedo como uma mulher deveria se parecer- branca, magra e loira-  seu corpo assexuado, uma metáfora de um dos muitos impactos do mito da beleza na sexualidade feminina, já que uma mulher deve ser percebida de maneira sensual pelo outro, mas não deve fazer sexo; as infinitas possibilidades de seu universo disponíveis apenas para quem pudesse pagar; o tabu de suas fantasias proibidas para meninos e crianças não bináries, pois ela era (e ainda é) signo do feminino, e as manifestações do feminino são inferiores, fracas, fúteis, imaturas e desimportantes.

 

Infelizmente, as crianças que um dia sonharam em fazer parte dessa brincadeira cresceram admirando um universo que, ou lhes era proibido ou fazia questão de excluí-las; entender desde cedo o porquê da boneca que tinha o mundo nas mãos não se parecer com você, é um rito de passagem de consciência social, e enquanto o slogan cantado nas propagandas da televisão repetia “seja quem você quiser” –  quase como uma piada de mau gosto – milhares de crianças aos poucos entendiam que ser quem você quiser é um luxo para uma casta seleta da sociedade.

 

Felizmente, desde meados dos anos 2010 tivemos a oportunidade de presenciar a mudança nos ares da representatividade do universo Barbie; com maior diversidade, aos poucos foram surgindo novas tonalidades de peles e novos formatos de corpos, mas não apenas, nascem também novas personalidades para acompanhar esses corpos; com a série animada da boneca, esses personagens passam a ganhar contexto e histórias, deixando de ser simplesmente mais um acessório de moda da boneca loira; em 2020, o progresso se tornou ainda mais palpável com a primeira coleção de bonecas inclusivas, contando com Barbie com vitiligo, com prótese mecânica na perna, careca, cadeirante e muitos outros modelos que conquistaram o público justamente por abraçar a multiplicidade de corpos.

 

Em 2022, quando celebridades de diferentes etnias, biotipos, gêneros, sexualidade e muitas outras particularidades usam o pink e vivem sua fantasia Barbie Girl, vemos a apropriação e ocupação de um espaço que um dia fora signo de exclusão bem como a transformação do ultra-feminino.

 

A popularização do Barbie core contribui para o processo de democratização da Barbie, dando voz a um desejo antigo de reescrever a experiência da infância com essa que fora a representação simbólica de feminilidade, ressignificando o pink, e com ele as concepções do próprio feminino, que deixa de ser signo de imaturidade e submissão para tornar-se forte e ousado.

 

Mirela Perez

Figurinista formada em Design de Moda pela FAAP, mestra em Comunicação e Semiótica pela PUC SP, pesquisadora e professora de Moda no MBA de Moda da ECA USP, artista Burlesca.

mirelasperez@gmail.com

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.