Um dos momentos mais interessantes e aguardados nesta época é conhecer a chamada “cor do ano”, anúncio feito por diferentes empresas, que tentam prever e estabelecer a cor que será importante e popular no próximo ciclo, com o objetivo de antecipar o que será usado, compartilhado e consumido. A Pantone, por exemplo, é uma das empresas que anuncia anualmente uma cor (e uma paleta). Algumas das cores apontadas marcaram determinados períodos, como o rosé quartz (ou rosa milennium, como ficou conhecido), escolhida para 2016 e que foi amplamente consumida na moda, decoração, design etc. Escolhas mais recentes da mesma empresa indicaram tempos conservadores com o azul marinho clássico (2020), passando pela bipolaridade da dupla amarelo e cinza (2021), até chegar ao recente violeta very peri, cor escolhida para 2022.
Ao refletir sobre o burburinho causado pela escolha das cores do ano por diferentes empresas, percebemos a importância de pensar o tema “cor” e sua relevância nos dias de hoje, já que ela parece ter um protagonismo crescente. Ou seja, mais do que as cores em ascensão propriamente ditas, ressaltamos o envolvimento cada vez maior e mais complexo das pessoas e da sociedade com o universo cromático, com usos e funções que exploram as capacidades comunicativas e sensoriais das cores, sempre em diálogo com o contexto no qual os indivíduos estão inseridos.
Neste sentido, partimos do entendimento da cor como um fenômeno óptico, físico-químico, envolto em dimensões como matiz, saturação, luminosidade e brilho, e relacionado à percepção visual, inicialmente, mas com impactos para todos os sentidos. Ou seja, o universo cromático possui qualidades que despertam sensações, sensorialidades e o compartilhamento de significados, do ponto de vista comunicativo, que acompanham indivíduos e sociedades há muito tempo, caracterizando e representando grupos, territórios, épocas e culturas. Neste amplo espectro, cores (e suas combinações) são associadas a temas subjetivos como sentimentos, emoções e estados de espírito; a temporalidades como estações do ano, ciclos (como o ano) e festas comemorativas; e a espacialidades como países e localidades. O uso das cores como um processo dinâmico, e em movimento, parece se acelerar atualmente, em linha com o contexto contemporâneo: temas emergentes como discussões sobre gênero, orientação sexual e etnia também se associam a determinadas cores a fim de promover visibilidade – basta pensar na bandeira do arco-íris que caracteriza o universo LGBTQIA+, suas constantes atualizações e seu significado do ponto de vista inclusivo.
Ao adentrar na importância das cores na comunicação e no consumo, é fácil perceber como elas se tornaram muitas vezes o signo central da identidade de inúmeras marcas, empresas e produtos, trazendo associações rápidas e universais, em processos comunicativos sem a necessidade da verbalização ou leitura em um determinado idioma. No âmbito dos produtos, cores podem determinar um valor adicional, fazendo com que produtos iguais de cores diferentes tenham distintas precificações. Podemos dizer, enfim, que os significados associados às cores ao longo do tempo e seus usos para provocar determinadas reações são temas fartamente estudados e aplicados em diferentes técnicas e áreas.
O que destacamos neste momento é a manipulação cada vez mais ativa das possibilidades cromáticas de forma individual e coletiva, com mudanças contínuas e desejáveis no gradiente de cores. É o que ocorre quando pensamos, por exemplo, na tendência de moda denominada “dopamine dressing”, que consiste num estilo de vestir com cores e estampas fortes a fim de melhorar o estado de espírito. Ou seja, a necessidade de interferir no humor, aumentando supostamente níveis de dopamina e, consequente, de felicidade, com o uso de cores mais vibrantes. Tudo isso em resposta ao contexto pandêmico, que trouxe um mundo e uma paleta mais restrita, sombria, em ambientes fechados, com grandes dificuldades para a saúde mental.
No isolamento da casa, outras soluções cromáticas também surgiram para melhorar o ânimo das pessoas em seu cotidiano, como o uso de cores fortes na decoração de interiores (objetos, paredes, plantas…), além de apetrechos tecnológicos como lâmpadas “inteligentes” que emitem luzes de diferentes cores, de acordo com o efeito desejado em cada momento: relaxar, concentrar e energizar, por exemplo. Esta personalização de cores se repete também no mundo digital – principalmente nas redes sociais mais imagéticas, onde o uso de filtros é recorrente e a interferência na paleta é rotineira, com alteração de cores de fundos, objetos, pessoas, cabelos e olhos, por exemplo. A edição das imagens também altera saturação e intensidade das cores, trazendo o efeito desejado pelo usuário.
Em todas as situações descritas, as cores são utilizadas para buscar efeitos e sensações desejadas de forma deliberada e intencional. Além disso, há a procura pela transitoriedade das cores, ou seja, o desejo por um gradiente que possa ser alterado continuamente, de acordo com o gosto e o momento de cada um, em linha com as incertezas do contemporâneo. Neste sentido, não é de se admirar o impacto causado pela BMW ao anunciar recentemente um automóvel que muda de cor ao toque de um botão. O carro, que usa uma tecnologia de tinta elétrica composta por milhões de microcápsulas, pode ter sua cor alterada do branco ao preto, passando por tons de cinza. A marca ressaltou os possíveis benefícios funcionais com esta inovação, como a alteração da cor do carro à temperatura do local. Entretanto, esta nova funcionalidade pode trazer outros tipos de benefícios subjetivos, como escolher a cor do carro a partir do estado de espírito de seu proprietário, ou a cor mais adequada a uma determinada ocasião.
Podemos dizer, enfim, que pensar em cor hoje passa por entender a importância e a evolução dos usos cromáticos para além dos significados padronizados, convencionados e estáticos. Ou seja, cor é uma expressão subjetiva, personalizada e comunicativa, utilizada de forma dinâmica, em múltiplas possibilidades sensoriais, num processo sinestésico que pode trazer alívio, prazer e poder.
Silvio Koiti Sato
Doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela ECA USP. Publicitário formado pela ESPM. Pesquisador junto ao GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo – ECA USP. Professor da ESPM e da FAAP. Sócio fundador da Casa Semio.