Crianças youtubers: mercadorias em uma sociedade de consumidores

Por Redação

21/09/2022 09h00

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Na sociedade contemporânea, especialmente a partir do mundo ocidental, o consumo desempenha papel central, tanto para nos relacionarmos com nossos pares, quanto com o mundo ao nosso redor. Diante dessa centralidade, considerar o consumo simplesmente por um viés economicista, isto é, pautado apenas por uma decisão de compra e venda, nos parece uma perspectiva demasiadamente reducionista.

 

Para além de suas facetas econômicas – evidentemente importante em uma sociedade capitalista – o consumo deve ser compreendido, como argumenta Everardo Rocha (2005), enquanto processo sociocultural que assume lugar de destaque à medida que estrutura valores e práticas sociais que definem identidades e mapas culturais.

 

Em meio às práticas de consumo que caracterizam a vida cotidiana, podemos notar o surgimento de inúmeros estilos de vida atrelados a bens de consumo; movimento este que a publicidade ajuda a dar materialidade. Na prática, a constituição de um estilo de vida se dá a partir das representações e signos que são apresentados majoritariamente pelos ambientes midiáticos, de modo que são combinados em performances associadas a grupos específicos.

 

Como nos explica João Freire Filho (2003), não há posições sociais, bem como eus individuais naturalmente organizados; pelo contrário, os indivíduos são compelidos a escolher, manter, interpretar, negociar e exibir quem eles devem ser ou parecer e, para isso, usam uma variedade de recursos materiais e simbólicos.

 

Por ser um ator social que compõe a trama cultural, as crianças também partilham de certos estilos de vida; participam material e/ou simbolicamente de práticas de consumo que possibilitam aderir certos modos de ser e viver que estão atrelados a objetos materiais. O caso dos youtubers mirins é bastante representativo, pois essas crianças que protagonizam e midiatizam suas produções culturais por meio da plataforma do YouTube, apresentam e utilizam uma ampla variedade de mercadorias ao passo que brincam e aparentemente se divertem diante da câmera.

 

Neste caso, os bens de consumo que contextualizam as produções atuam como as credenciais que validam o estilo escolhido, ensejando uma ação de hierarquização que coloca de um lado aqueles que portam tais credenciais e, do outro, aqueles que apenas contemplam os seus portadores.

 

Em última instância, à medida que ocupam uma posição de formadores de opinião sobre uma dimensão de ser e estar no mundo, os youtubers mirins promovem a si mesmos, seus modos de ser e estilos de vida. Afinal, como nos lembra Zygmunt Bauman (2008) consumir significa investir na afiliação social de si próprio, o que se traduz em uma espécie de “vendabilidade”. Logo, as crianças youtubers se constituem nas novas mercadorias a serem consumidas, tomando o lugar de autoridades do passado e substituindo qualidades por fenômenos de aparência.

 

No contexto atual, os modos de ser, estilos e brincadeiras performadas pelos youtubers contribuem com a edificação de um ideário midiatizado de infância cuja ascensão para o nível de uma criança bem-sucedida passa intrinsecamente pela posse dos mesmos bens de consumo, destrezas, estilos e modos de ser demonstrados por tais personagens tomadas como modelo. Neste caso, para além dos bens materiais sistematicamente promovidos em meio às produções infantis, são as próprias crianças youtubers que se constituem nas principais mercadorias a serem consumidas por seus milhares e até milhões de espectadores.

 

Marcelo Andrade

Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo – ECA/USP com Bolsa CNPq. Mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pelo PPGCOM da Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM/SP com bolsa PROSUP/CAPES. Pesquisador integrante do GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo. Tem como interesses de pesquisa os cruzamentos entre mídia, infância, comunicação e consumos.

marcelo_dandrade@yahoo.com.br

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.