Chegamos a mais um final de ano, aliás, de um ano bem difícil, depois das tensões, perdas, sofrimentos e euforia nervosa pela novidade da pandemia em 2020, 2021 começou com um sentido de prolongamento de uma condição de vida antinatural, apartada das relações, com a continuidade do medo plural e das incertezas em relação ao futuro mais imediato. Apesar disso e ainda mais, por causa disso, é importante nos colocarmos diante de 2022 na esperança de dias melhores. Quais seriam os desejos para 2022?
Antes da listinha de desejos é interessante retomarmos a origem do termo desejo. Do latim desiderium, que por sua vez, deriva de sideral (siderare), relativo ao céu, aos astros e estrelas, revela a força do prefixo “de” como intensificador dos efeitos, daí que desiderare se refere a fixar-se atentamente nas estrelas. Etimologicamente notamos que desejo é algo distante (metaforicamente, aquilo que está no céu), mas que ao mesmo tempo, nos guia, nos orienta em alguma direção, nos coloca em um caminho. Desejo é vontade, é querer, ânsia, ambição, cobiça, atração e aspiração. O desejo instala a certeza da falta, porque se quero é porque não tenho e se tenho, deixo de querer – a inevitável erosão da busca e seu redirecionamento em direção a outro objeto. Desejo é movimento contínuo, um porvir que move a vida e que nos mostra, nos desnuda, nos identifica. O que desejamos e como manifestamos nossos desejos em atitudes, ações e comportamentos, nem sempre guiados pela mente consciente, é bom que se diga, expressa quem somos. Retomando nossa listinha, agora cientes do que são os desejos, parto para o desafio de elencar o que não temos e nessa empreitada, uma difícil constatação, muito nos falta.
Falta verdade. Estamos imersos em uma miríade de informações, muitas delas publicadas com elevada carga persuasiva, igualando ciência, dogma e opinião, principalmente nas redes sociais. Estamos diante dos negacionismos, das fake news, dos discursos vazios, mas que convencem, das simulações, das crenças convenientes. Falta beleza. As perdas, a estética da morte e dos sofrimentos, a morte em si, o desemprego, o fechamento de negócios, o esfacelar de sonhos, as desigualdades de natureza diversa, a fome, a violência, são a face grotesca do horror, da feiura nua e crua que anestesia nossos sentidos. Falta o bom. O individualismo crescente, a cultura fixamente narcisista das redes sociais, a exaltação dos valores privatizantes e elitistas, a indiferença com nossos semelhantes, são manifestações cotidianas da maldade e da perversão reinantes nos dias atuais.
Diante disso, a listinha dos desejos para 2022 terá “apenas” três itens, sem hierarquia ou sequencialidade entre eles, o verdadeiro, o belo e o bom. Retomando nossa inexorável condição de transitoriedade e de falência iminente, mas na certeza de termos o privilégio de decidirmos o que faremos no intervalo entre nascermos e morrermos, podemos perseguir os desejos mais nobres, fundamento da nossa humanidade, ainda que saibamos que sua plenitude é inalcançável, como as estrelas, que estão distantes, mas estão lá, podemos vê-las e até senti-las. Fica o convite para nos mantermos na busca da verdade que nos protege, da beleza que nos sensibiliza e do bom que nos coloca em comunhão com o outro.
Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, é titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Ela é fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Ela apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.