A disputa pela atenção e afeto do consumidor nos parece algo imperativo na sociedade contemporânea, especialmente quando se vive uma disputa voraz pela audiência e por likes imersos em uma atmosfera hipercompetitiva e hipermidiática, do qual observamos novos contornos estratégicos que guiam as corporações no sentido de performar positivamente a imagem de marca como um ponto decisivo nas lógicas de consumo.
Há algum tempo tenho me esbarrado em textos acadêmicos e artigos técnicos que contribuem com a ideia de que o marketing precisa focar seus esforços na experiência do consumidor e que as marcas precisam superar a dualidade do desejo VS necessidade da compra. Atitudes essas que também permeiam as estratégias criativas do discurso publicitário. Ademais, nos parece recorrente o contato com termos que qualificam a ideia do “consumo hedônico”, aquele que se orienta pela experiência da compra, na excitação emocional e satisfação das fantasias subjetivas ao deleite do entretenimento e do prazer decorrentes do consumo, como algo predominante, de maior relevância.
No entanto, nos cabe questionar se de fato as empresas e as marcas estão dispostas a investir nessa nova arquitetura de projeto e se a mentalidade da cultura organizacional vivenciada pelo modelo de gestão das empresas brasileiras suportam tantas rupturas diante de um padrão hegemônico e cristalizado como o que estamos habituados a enxergar. Afinal, quando pautamos o posicionamento de marketing centrado na humanização das marcas e leia-se aqui – que esse processo é oneroso e demorado – porque interfere em toda cadeia organizacional, não nos parece algo tão trivial e simplório como muitas vezes a literatura da nossa área se reporta.
Ao olhamos descuidados para os processos de humanização das marcas meramente pela ótica da aproximação com humano, muitas vezes atribuindo uma personalidade ao discurso publicitário e melhorando seus canais de relacionamento no diálogo com o público, não nos parece suficiente acreditar que essas estratégias darão conta de tamanha complexidade existente na infinidade desta problemática. Vejo em grande parte do comportamento das marcas que a humanização é vista como um verniz, quase que exclusivamente pela forma com que as campanhas publicitárias alinham seus discursos, delineando um posicionamento de marca centrado na conexão ideológica de apoio e acolhimento ou de sentimentos que se ligam pelo afeto; porém, é utópico pensarmos que apenas esse movimentos discursivos apoiados no carinho e acolhimento sejam suficientes para dar conta da real dimensão deste desafio, visto que a inteligência artificial, os sistemas de atendimento por robôs e os algoritmos de automatização de processos parecem estar substituindo diversas competências humanas.
Em linhas gerais, tomamos como coerente e salutar defender que nossas crenças estão pautadas na perspectiva de que o trabalho de humanização demandado pelas marcas (vistos mais recentemente) precisam de um rigor técnico/estrutural que perpassa pela revisão da cultura organizacional e das mudanças possíveis de serem geradas no ambiente interno de suas relações, capazes de impulsionarem melhorias significantes na qualidade de vida de seus funcionários. Insisto em acreditar que o trabalho de humanização das marcas implica na revisão da cultura empreendedora e na ética que transpassa pelos investimento na qualificação e na formação de uma nova educação corporativa, inclusiva-diversa, preocupada em diminuir as desigualdades sociais, promovendo a equidade de gênero e que esteja comprometida com as questões do meio ambiente entre outras atitudes de cidadania e transparência, inclusive na divisão dos lucros obtidos com o crescimento empresarial. O Twitter, por exemplo, recentemente reconheceu publicamente que o seu mecanismo de inteligência artificial (IA) privilegiava pessoas brancas em sua plataforma, daí nos cabe indagar quais são os mecanismos para reparação tamanho impacto?
É inoperante acreditar que humanização de marca se define quase que exclusivamente pelo posicionamento de comunicação das marcas. Diante de tais observações, também me questiono se existirá disposição das lideranças empresariais incumbidas de promover uma nova reestruturação capaz de introduzir verdadeiras mudanças na direção de uma concreta e estrutural humanização? Na empresa que você trabalha estão debatendo essas questões inerentes a cultura empresarial que por reflexo repercute na imagem das marcas? Ou as metas de vendas transformam em invisíveis tais necessidades? Quais organizações estão investindo parte da sua pujança financeira para superar esses desafios? Será que o trabalho de humanização das marcas encorajará cidadãos a transpor a lógica do consumismo para o consumeirismo? Quem são os protagonistas destas mudanças?
Há muitos indícios que esses movimentos ganhem força na medida em que a sociedade se emancipe em sintonia com ambientes igualitários, sem o predomínio da burocracia ou de esquemas hierárquicos totalitários, embora esses movimentos ainda sejam discretos do ponto de vista da concretude na inspiração de novos modelos. Ainda assim, conseguiremos olhar para um mundo tecnológico e ignorar os reflexos contundentes no sentido da desumanização e dos comportamentos automatizados, que daí sim, contribuem para o aumento do abismo entre as diferenças de classes, isolando indivíduos e aumentando a desigualdades. Quando não nos comprometemos com a humanização interna em nossos sistemas, continuaremos limitando a criatividade e aumentando o conformismo com os padrões institucionalizados, sem romper efetivamente essa bolha que nos prende a utopia da humanização das marcas.
Rodrigo Stéfani Correa
Professor universitário, publicitário e pesquisador, docente associado na Universidade Federal de Santa Maria, onde coordena a Facos Agência Experimental de Publicidade e ministra as disciplinas de Fundamentos de Publicidade e Propaganda Contemporânea e Novas Mídias. Entre seus campos de atuação, divide-se na co-coordenação dos grupos de pesquisa IEP – Inovação no Ensino de Publicidade e propaganda, e também Publicidade Conectiva. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e Mestre em Ciências da Computação pela UFSC, se divide em temas relacionados ao ensino e criatividade, estudos de mercado e tecnologias.