Jovens e seus Consumos

Por Redação

10/02/2021 14h00

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Artigo

 

Jovens e suas práticas são expressões recorrentes na comunicação, geralmente repletas de liberdade, transgressões e uma boa dose de conflitos em seus rituais de passagem. Das experiências sexuais ao primeiro emprego a representação juvenil no cinema, nas ficções seriadas e na publicidade se multiplicam. Apoiados pelo consumo material, como a calça jeans, a jaqueta de couro e as bicicletas, mas também pelo consumo cultural e simbólico das apropriações tecnológicas, da ocupação dos espaços urbanos e digitais, os sentidos proporcionam constituição de identidades e socializações em contextos tão diversos quanto o próprio público.

 

Olhar para os jovens em seu cotidiano é antecipar cenários, é se distanciar de modelos engessados para entender tendências e novas visões de mundo. Mas, há tempos, esses grupos deixaram de ser apenas caricaturas comerciais. Eles se tornaram sujeitos que movimentam as cenas públicas e que escrevem sua própria história, em vez de apenas consumi-la em produções com representatividades diminuídas.

 

Dos movimentos sociais dos anos 1960 aos influenciadores digitais que se desdobram entre Minecraft e análise política, os jovens ganharam visibilidade nas pesquisas científicas, nas políticas públicas e, claro, como consumidores de mídia e outros produtos. Essas incursões evidenciaram complexidades difíceis de acessar, como as linguagens utilizadas, as socialidades em diferentes grupos, os sentidos dados aos espaços e aos fluxos comunicacionais e o individualismo pungente. Por isso, as pesquisas também precisam acompanhar as narrativas de vida, os percursos e as pegadas desses atores, que se hibridizam com seus consumos e modificam projetos de marcas.

 

As pesquisas geracionais trouxeram para a discussão as novas atitudes frente à religião, sexualidade, política e o ideal de uma vida boa. Os termos “geração Y”, “geração Z” e quantos mais o alfabeto latino ou grego deem conta, são de uso comum na área. Porém, ainda que os estudos geracionais tenham contribuído para uma visão generalista das experiências juvenis e do convívio entre gerações, também tornam nebulosa a heterogeneidade existente. Falar de uma geração Z, nativa digital, hiperconectada e mais realista do que a anterior é apenas uma metonímia descritiva. Uma parte pequena e nem sempre compatível com as várias realidades de um Brasil profundo, ou mesmo dos grandes centros urbanos e suas discrepâncias econômicas e culturais, ou ainda das intersecções possíveis entre idade e outros dados demográficos.

 

Para acompanhar essa complexidade é preciso mergulhar no campo, dar voz aos atores e, a partir disso, compreender de quê jovens estamos falando. Até porque a definição pode extrapolar a faixa etária de 14 a 29 anos para se concentrar em aspectos como autoconceito e relações com outros atores. A sugestão, nesse sentido, é complementar os tradicionais levantamentos de campo, importantes para uma descrição inicial, com diversas abordagens interpretativas, adequando-as aos objetivos de cada estudo. Isto é, compreender os comos e porquês, que podem revelar a interpretação de comunidades específicas sobre seu contexto.

 

A autonomia dos jovens na abordagem interpretativa é relevante. Assim, mais do que questionar diretamente o público, é importante envolver os atores na própria pesquisa e acompanhar o que de fato praticam em seu cotidiano. Compilados de fotos da rotina, histórias de vida em diferentes formas de narrativas como produções audiovisuais e músicas, além de etnografia digital, netnografia e técnicas projetivas como complemento de frases e encenações convergem a essa perspectiva. Em síntese, acompanhar os jovens e compreender suas várias redes de conexão, analógicas ou digitais, preferencialmente com a participação dos sujeitos nesse processo.

 

O entendimento das práticas juvenis reflete na mudança de postura não apenas do pesquisador, mas dos gestores organizacionais. Atualmente, o projeto de marca não está mais centrado nas decisões sobre produtos, nem na tradução unidirecional de necessidades e desejos, mas na interação com consumidores que fornecem novas propostas de crescimento aos signos marcários, possibilitando o acesso a emoções, aos valores e aos vínculos com bens e serviços.

 

 

Clóvis Teixeira Filho

Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, Mestre em Administração pela Universidade Federal do Paraná e professor em cursos de graduação e pós-graduação. Pesquisador do GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo, da USP. Também atuou em organizações líderes da indústria, varejo e serviços tanto na área comercial, quanto de marketing.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.