Fora toda a crise, quando o consumidor seria informado se tratar de uma campanha publicitária?
Há algumas semanas, na aula da disciplina que leciono, um aluno questionou como era a atuação do Conar em relação às músicas feitas sob encomenda para marcas. A discussão se deu em torno do princípio da identificação, fundamento da publicidade brasileira. Uma semana depois pipocou a polêmica envolvendo a campanha Magia Amarela, desenvolvida pela agência Galeria para a marca Bauducco, com participação das artistas Juliette e Duda Beat.
O conteúdo de marca, ou Branded Content, já não é mais novidade na publicidade. As marcas estão presentes em reality shows, conteúdos ficcionais, festivais de música, festas de rua etc. É muito difícil listar um videoclipe hoje em dia sem a presença de alguma marca. Sobre isso, houve casos polêmicos, como de Pabllo Vittar e a música “Parabéns” (em parceria com Psirico), que precisou de ajustes no Youtube para atender às exigências da inserção de marcas de bebidas alcoólicas. O mesmo se deu com o vídeo da música “Alô Ambev”, da dupla sertaneja Zé Neto & Cristiano que, após decisão do Conar, precisou atender ao princípio da identificação publicitária.
Na decisão do Conar sobre o caso de Zé Neto e Cristiano, a relatora considerou que a letra da música “Alô Ambev” era criação artística, estando fora da alçada da atuação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. E isso nos leva a discutir o caso da campanha da Bauducco, que teve uma música original composta para a ação.
Em 18 de outubro, Juliette, campeã do BBB 21 e uma das celebridades mais populares do país, anunciou, pelo X (ou Twitter) sua nova música, “Magia Amarela”, em parceria com Duda Beat. O post trazia o texto “Saiu!! (Emoji de coração amarelo) Ouça agora “Magia Amarela” com @dudabeat em Todas as plataformas digitais!”. O tweet vinha acompanhado de um link da gravadora Virgin Music Brasil, que dava acesso à música na plataforma de preferência do internauta.
Não havia qualquer sinalização como publicidade, nem comunicado sobre parceria com a marca Bauducco. A repercussão, como tudo que envolve Juliette, foi imediata e gigantesca. No entanto, dessa vez, houve uma manifestação inesperada. Evandro Fióti, cantor e empresário, CEO da Lab Fantasma, fez uma série de tweets acusando a produção de plágio do projeto “AmarElo”, do cantor Emicida. Ele convidou seus seguidores a acompanhar uma live que faria no Instagram em instantes para revelar mais sobre o caso, no mesmo dia 18 de outubro.
Na live, Evandro Fióti contou diversos motivos pelos quais a produção poderia ser considerada plágio de “AmarElo”, mas não é este o nosso foco aqui. Na live, Evandro Fióti apresentou uma nova informação sobre a música recém-lançada. O empresário explicou que ela fazia parte de uma campanha publicitária para uma marca que havia sondado Emicida e a equipe que trabalhou em AmarElo para protagonizá-la, usando o conceito do projeto, mas as negociações não prosperaram. Internautas descobriram que se tratava da campanha de reposicionamento da Bauducco, que havia sido anunciada, tendo Duda Beat e Juliette como protagonistas. A contenda se estendeu ao longo dos dias 19 e 20 de outubro, com a apuração da imprensa e a circulação da discussão no Twitter, no Instagram, no Youtube e em outras redes sociais. A crise culminou no cancelamento de toda a campanha publicitária desenvolvida pela Agência Galeria para a Bauducco, com notas de desculpas publicadas pela marca e pelas duas cantoras em suas contas oficiais. Evandro Fióti também fez postagens, sinalizando que a conversa caminhava para acordos e acertos feitos em privado, após a suspensão da veiculação da campanha e da música.
A pergunta que fazemos aqui é: quando o público seria comunicado que “Magia Amarela” era, na verdade, uma composição feita para ação publicitária? O argumento utilizado pelas cantoras nas notas publicadas nas redes é de que não tinham conhecimento sobre a apropriação indevida ao trabalho de Emicida e sua equipe por se tratar “apenas” de uma ação publicitária. No entanto, aos seguidores, o lançamento havia ocorrido como se fosse uma nova música, um produto artístico-cultural, não um jingle publicitário de longa duração. O Conar seria acionado a agir com o mesmo rigor que age em relação às campanhas de bebidas alcoólicas? A marca, a agência e as artistas envolvidas não deveriam ter um compromisso com seu público de informar que seu novo lançamento é, na verdade, um jingle publicitário?
Em “Publicidade que entretém: A circulação transbordada dos conteúdos de marca” analisei produções de quatro marcas brasileiras em suas hibridizações com o entretenimento. Uma das preocupações era de que o discurso persuasivo aparecia diluído na comunicação, como forma de ruído, e que portanto, haveria questões éticas nos conteúdos de marca. No entanto, concluí à época que “anunciantes trazem fortes referências de elementos que permitam sua identificação” (p. 198), demonstrando a preocupação das agências brasileiras com o princípio da identificação publicitária. Não é este o caso que notamos, no caso específico de “Magia Amarela” e de “Alô Ambev”, sobretudo no caso dos registros fonográficos. Precisamos ficar atentos a casos futuros e cobrar de anunciantes, agências, artista, gravadoras e de plataformas a atenção ao princípio da ostensividade da publicidade brasileira, para que o conteúdo de marca sonoro não se torne espaço para a enganação do consumidor.
Sobre o autor:
Pablo Moreno
Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA USP e Professor de Publicidade da UFMG