Entre as várias práticas juvenis da atualidade, o acesso aos dispositivos digitais e o uso das mídias sociais têm se destacado. O Atlas das Juventudes, divulgado em 2021, expõe o acesso à internet por mais de 90% dos jovens brasileiros, em que as mídias sociais têm espaço diferencial, ainda que nem sempre esse acesso ocorra no domicilio familiar, atravessado pela desigualdade de renda. No entanto, ao contrário do foco excessivo nos malefícios do uso das mídias sociais, é relevante pensa-las como espaços de experiência intermediária entre o privado e o público. Espaços com oportunidades e riscos, diferentes ideologias, discussões e entretenimento, entre outras possibilidades.
Juntamente com as práticas juvenis, também foram alteradas as formas como entendemos e pesquisamos a juventude. Inicialmente, o estudo sobre jovens estava restrito à marginalidade de gangues, passando para as subculturas trabalhadoras em contraste aos demais sujeitos que, na visão dos pesquisadores, reproduziam a cultura midiática de massa. Já nos anos 1980, o conceito de novas tribos de Michel Maffesoli ficou conhecido por evidenciar agrupamentos mais efêmeros, em contato com espaços urbanos, em que o afeto e o comprometimento com o grupo afastavam o individualismo.
Mais do que categoria homogênea, representada pelos estudos de geração Z, por exemplo, falamos hoje de juventudes, no plural. Afinal, são atravessadas por singularidades regionais, gênero, classe econômica e cor, entre outras condições que tornam as experiências igualmente diversas. Atualmente, tem sido explorada a abordagem de microculturas juvenis. Ela compreende um entra e sai de grupos, com experiências plurais e identidades múltiplas, em redes de relacionamento com laços mais frágeis e temporários, em que a expressão individual se sobressai, em busca de vivências com foco no prazer e no presente.
As microculturas permitem compreender as várias expressões em rede e se distancia das representações da comunicação de massa. Além disso, a juventude também se tornou mais do que uma faixa etária. Representa um ideal de vida moderno, em que a liberdade e as formas de expressão rompem padrões rígidos e são atravessados pelos usos e apropriações da mídia e do consumo. Em um momento de questionamento do futuro, em que o desemprego entre jovens é recorde e a gestão da crise sanitária desalenta, o Atlas das Juventudes destaca a circulação de resistências no ambiente digital, com posicionamentos sobre pautas críticas ao cotidiano e a formação de comunidades de apoio.
As mídias sociais como lugares entre a vida pública e a privada são promissores às experiências juvenis, lembrando que as influências são plurais às várias juventudes. Na socialização estão os amigos, influenciadores digitais, instituições, produtos e marcas, mas também os desconhecidos, os que pertencem a outros grupos e pensam de forma diferente, além dos bots, dos perfis anônimos e dos algoritmos que regulam boa parte dessas interações. Na dimensão privada, os dados pessoais, as informações sobre as rotinas e gostos, a sexualidade, os laços próximos da família, da casa e do quarto como um território único, mesmo que compartilhado. A interação entre vários atores é realizada pelos jovens pensando com quem compartilham essa privacidade e refletindo também na audiência que visualiza suas mensagens. É campo fértil para ter contato com os amigos e interesses já consolidados, mas também com o novo, com as trocas de ideias e formas de pesquisa e aprendizado.
Essas formas de produzir, consumir e circular conteúdos em rede criam rituais com sentidos fortes a serem compartilhados com outros interagentes. O audiovisual que propõe desafios, as marcações de ativismo social, os tutoriais de tecnologia e aplicativos, a indicação de games, produtos, turismo e, claro, os memes são exemplos dessas práticas. Portanto, antes de apenas restringir os usos ou criticarmos veementemente as práticas juvenis, cabe pensarmos em quem pode mediar essas interações de forma saudável, para ampliar as oportunidades e diminuir os riscos. Nesse aspecto, pais e educadores podem ser úteis ao desenvolverem competências midiáticas, ouvirem os jovens e tratarem com afeto e experiência de vida a convivência dos mais novos em sociedade.
Clóvis Teixeira Filho
Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, Mestre em Administração pela Universidade Federal do Paraná e professor em cursos de graduação e pós-graduação. Pesquisador do GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo, da USP. Também atuou em organizações líderes da indústria, varejo e serviços tanto na área comercial, quanto de marketing.