Artigo
Construímos pensamentos a partir de fatos, devaneios, desejos, estímulos externos e internos. Muito comumente desenvolvemos projeções que misturam um pouco de tudo que nos cerca e nos compõe: razão e emoção. Seja para definir uma roupa a usar, um texto a publicar ou mesmo um voto a ser dado, estamos repletos de aspectos concretos e simbólicos, entremeando as nossas crenças, valores e sentimentos à própria realidade, fazendo um cenário híbrido em nossas mentes.
Com o fornecimento em escala de informação e o risco de uma consequente infodemia, caímos na armadilha de nos sentirmos sempre em desalinho com a realidade, como se não fôssemos capazes de nos manter plenamente informados. E de fato não somos. Por isso, frequentemente apelamos a fontes de informação. Fontes que consideramos confiáveis, a partir das quais nos sentimos confortáveis para até mesmo a emitir opinião, expressar juízos de valor e até fazer certos freios de arrumação em nossas relações sociais e digitais. Mas nem sempre essas fontes são tão confiáveis a ponto de podermos espelhá-las cegamente. Na verdade, não podemos espelhar nenhuma informação sem verificação e crítica. Afinal, é sempre bom receber notícias com as quais concordamos, sempre melhor fugir de notícias desagradáveis ou com as quais não concordemos. E isso nos leva a enviesar a informação e, logo, a distorcer a nossa própria opinião.
As manchetes, ou o que é privilegiado no noticiário e na agenda de debate muitas vezes são reflexos sem luz, fruto de uma construção culposa ou dolosa. Isso impacta vidas de pessoas e de organizações. A disseminação de desinformação costuma fazer parte de blocos de pseudo-informação, levando a uma certa (ou enorme) confusão. Afinal, não apenas o noticiário convencional influencia decisões e comportamentos. Seja o entretenimento explícito, sejam outras formas não muito claras de informação, todos impactam e geram posicionamentos. Desde novelas e “bebebês”, passando por programas de entrevista que misturam diversão, humor e uma aparente informação até mesmo séries, todos pautam nossas discussões e influenciam nossos comportamentos e tomadas de decisão.
E quando a manchete expressa algo que não aconteceu? Décadas atrás uma tradicional revista chamada Manchete, do Grupo Bloch, usava um slogan que ficou na memória de muitas gerações: “aconteceu, virou Manchete!” Essa expressão poderia, de algum modo, ser reescrita nos dias de hoje e dizer-se que nem aconteceu e virou manchete.
Tempos de desinformação, fake news, pós-verdade, expressões que passaram a fazer parte da vida e da linguagem cotidiana.
Organizações e pessoas são assoladas por esse novo tipo de comunicação – não, a desinformação não é algo novo, mas o seu poder de disseminação massivo e sem controle, sim. Se há investimentos significativos de grupos e pessoas fortalecendo o distanciamento dos fatos, crescimento de populismo no Brasil e no mundo, por outro lado cresce o monitoramento feito pela sociedade, ampliando a ágora digital e, mesmo sem uma legislação que retire das grandes corporações de mídia o poder de decidir o que é bom e o que não é, novas lideranças vão surgindo e colocando em xeque campanhas de distorção. Por isso, a postura em relação ao que comunicar é cada vez mais responsabilidade de especialistas, de pessoas que analisam cenários e, sempre, atuam a partir da Ética.
Luiz Alberto de Farias
Professor livre docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e professor titular da Universidade Metodista de São Paulo.