Pós-doutorando pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB-USP). Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP). Mestre em Filosofia pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB-USP). Membro do GESC3 (Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo). É docente na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP) no curso de graduação em Comunicação e Publicidade.
Desde que as primeiras notícias sobre o ChatGPT ventilaram pelos corredores universitários, muitas dúvidas e angústias pairaram no ar. Essa Inteligência Artificial (IA), vendida como uma ferramenta poderosa de criar textos, ameaçava substituir o trabalho intelectual de pesquisa e inventividade de alunos – e, consequentemente, de profissionais.
A criação publicitária, logo, se sentiu ameaçada, ainda mais quando colegas empolgados de outras áreas (talvez com pouco conhecimento crítico em criação publicitária) se surpreenderam ao solicitar à máquina a redação de roteiros e peças, demanda prontamente atendida.
Passado o frisson inicial, é preciso enxergar a ferramenta com outros olhos. Retomando a discussão iniciada por Umberto Eco (em Apocalípticos e Integrados, de 1964) entre aqueles que rejeitam as novas mídias e tecnologias e aqueles que as aceitam de forma acrítica, não sejamos nem apocalípticos nem integrados.
Quem tem um olhar mais acurado, ao avaliar os resultados dessa IA, logo percebe que os resultados são triviais. Se você pedir para a máquina criar uma campanha de Natal para a Coca-Cola, ela dificilmente entregará algum conceito além da “felicidade”, da “magia” e do “sabor”, signos já explorados pela marca nesse período festivo. Teste você mesmo. Ainda que você diga à máquina que achou suas ideias pouco inovadoras, ela não foge muito disso. Quando você muda de anunciante ou escolhe uma marca pouco conhecida, é ainda mais desesperadora a falta de respostas que brilhem nossos olhos.
Isso acontece porque o aprendizado da máquina é baseado em retroalimentação. Os dados que ela recolhe para compor suas respostas são tomados do histórico da marca. Se a Coca-Cola sempre trabalha com as temáticas da felicidade, da magia e do sabor, logo, presume-se um resultado nessa direção. À máquina ainda escapa a capacidade do pensamento abdutivo que faz a criatividade humana ser tão surpreendente.
Porém, também não devemos desqualificar o ChatGPT pela sua trivialidade. Nesse ponto, seus resultados podem nos servir como um modelo, um instrumento, assim como os exemplos de todos os livros técnicos de Publicidade. Suas respostas, por exemplo, apresentam as estruturas mais básicas de roteiro, com o desenvolvimento narrativo clássico e seu plot twist. Os planos de ações criativas também seguem mais ou menos o que é praticado atualmente no mercado. Podemos até ficar enteados com a previsibilidade, mas será que o nosso trabalho publicitário naturalmente não tem sempre um pé no trivial? O segredo do dia a dia criativo está em como transformar o básico em surpreendente.
Uma questão principal que deve ser posta é a falta de literacia dos que utilizam o ChatGPT achando que a ferramenta entrega o arquivo final e não um rascunho a partir do qual você pode ir além criativamente. Você nunca copiará os exemplos de um manual de redação, pois entende a sua intenção pedagógica. Com o ChatGPT nem sempre essa premissa está evidente – o que leva um uso consciente e crítico. Além disso, se você não tiver repertório, dificilmente saberá refinar o seu pedido de criação, como um cliente que pede a uma agência alterações sem saber exatamente o que busca.
Porém, que não se enganem nem se surpreendam: faça o pedido que for, o resultado da máquina sempre será básico. Alguns críticos norte-americanos até mesmo chegaram a chamar de “pastiche” o resultado.
Outro dia circulou um texto feito por IA que encantou os mais emocionados com a tecnologia. Era uma análise veiculada no La Vanguardia sobre o ChatGPT que fora escrita pela máquina, segundo os comandos da revista, “ao estilo Manuel Castells”, o grande pensador espanhol sobre as mídias. Qualquer leitor mediano do autor saberia reconhecer a trivialidade da análise contida no texto. Nele não havia nada de incrível ou inovador, mas o fetiche pela máquina enviesou a leitura que enxergou nessa predição estilística do autor algo disruptivo.
Pode ser que no futuro a IA fique cada vez mais inteligente e consiga superar a sua trivialidade. Por ora, é preciso reconhecer suas potências e suas limitações. Por um lado, a ferramenta serve como um manual interativo de modelos estratégicos e criativos, que funciona não só para a criação publicitária, mas para o desenho de campanhas como um todo, dando ao usuário o estado da arte do seu desafio comunicacional. Por outro, é limitado ao trivial, sendo necessário um esforço crítico e criativo para tomar seus resultados como pontos de partida e não pontos de chegada. O ChatGPT ainda não substitui a criatividade publicitária feita por humanos, mas pode lhe servir como base.
Renato Gonçalves