Heliodoro Bastos
Bruno Pompeu
Quem era para escrever esse texto está morto. Nos foi levado pela covid-19, não dando tempo de nos despedirmos, de nos divertirmos com o seu jeito, com a sua risada e com as suas históricas. Nem de ler mais um texto seu – certamente mais um dos muitíssimos e muito deliciosos que escreveu ao longo da vida, sempre deixando evidentes o seu humor, a sua inteligência, a sua erudição e a sua forma particular e radicalmente original de enxergar a vida. Victor Aquino, que alguns, como nós, conheceram como Tupã Gomes Correa, professor do curso de Publicidade e Propaganda da ECA-USP, morreu no dia 1º de dezembro, talvez ele mesmo sem acreditar que seu tempo estava acabando. E, mais desafiador do que falar, em poucos parágrafos, de figura tão grande e importante, só pode ser mesmo ter que escrever no seu lugar.
A morte de Victor Aquino – sem contar a dor que causa nos seus familiares, nos seus amigos e nas pessoas mais próximas, sempre maior do que qualquer outro impacto negativo, por mais que estes sejam enormes – pode ser entendida também como a partida do último, uma espécie de temporão, de uma geração inestimável: a geração dos primeiros professores acadêmicos de publicidade no Brasil. A vida anda tão esquisita nestes tempos que a gente nem lembra direito, mas os cursos superiores de publicidade no país estão fazendo 50 anos e Victor, então Tupã, teve participação nos seus primeiros anos. Ao lado de nomes como os de Egon Schaden (1913-1991), Rodolfo Lima Martensen (1914-1992), Osvaldo Sangiorgi (1921-2017), Otto Hugo Schreb (1922-1981), Francisco Gracioso (1930-2020), Luiz Celso de Piratininga (1933-2009), Mario Chamie (1933-2011), Modesto Farina (1920-2003) e alguns mais, Victor foi testemunha atenta e participante ativo da idealização do que viriam a ser os cursos universitários de publicidade no Brasil. Ou seja: se a publicidade brasileira é o que é hoje, reconhecidamente boa, é porque lhe deram tal forma e envergadura as sucessivas gerações de publicitários formados por toda a parte deste país aos moldes do que imaginou e construiu essa geração.
E dela Victor fazia questão de falar sempre. Assim como falava de tudo, de todos e de qualquer assunto, invariavelmente com uma graça no jeito de contar, que era impossível não se deixar levar pelas suas fabulosas histórias. Era como um compromisso seu: não permitir que o passado se perdesse, transformando histórias inacreditáveis em inspiração e sonho para os mais jovens, seus alunos e colegas. Hoje se fala muito em “inspirar”, como se essa capacidade de fazer despertar nos outros bons sentimentos, desejos nobres, ideias positivas, fosse alguma coisa simples de se achar, possível de se adquirir ou fácil de se ter. Victor era verdadeiramente inspirador. Sua presença era sempre muito intensa, muito inflamada. Nunca apático, comedido, acanhado, indiferente, desanimado ou titubeante, fazia sempre com que sentimentos vibrassem também por parte dos que o escutavam.
O que não quer dizer que esses sentimentos fossem sempre os melhores. Não se quer fazer aqui o que às vezes se faz, que é, por ocasião da morte de alguém, transformar esse alguém em santo. Victor nunca foi santo. Entretanto, independentemente de ter sido uma pessoa polêmica, controvertida, que despertava sentimentos muito intensos e contraditórios nas pessoas com quem trabalhava ou convivia (ou até por causa disso tudo), foi alguém que cultivava e defendia, no seu jeito de viver e em tudo o que fazia, valores essenciais para a propaganda, como sensibilidade, criatividade e liberdade.
Victor, já com certa idade, mais de cem livros lançados, avistando no horizonte a aposentadoria, resolveu aprender a voar. E nada poderia ter sido mais significativo do que essa sua inesperada e até desacreditada atitude. Victor era tão grande, tão incontrolável, tão raro e tão pouco preso ao que se esperava dele ou ao que se espera da gente de uma forma geral, que achou por bem pilotar aviões. Ver a terra de cima, elevar-se às nuvens, alçar-se a pássaro. Vai, Victor, voa, que nós seguimos por aqui, inevitavelmente impregnados pela sua voz, pela sua figura e por quem você foi.
Dorinho Bastos
Arquiteto, cartunista e professor da ECA USP.
Bruno Pompeu
Publicitário formado pela ECA-USP, doutor em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-USP, professor dos cursos de publicidade da ECA-USP e da ESPM-SP e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso), sócio-fundador da Casa Semio.