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O que as provas do BBB nos falam de publicidade

Por Clotilde Perez

09/02/2022 09h00

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Todo início de ano o mercado publicitário volta suas atenções a um de nossos maiores fenômenos midiáticos: o Big Brother Brasil. São mais de 15 patrocinadores divididos entre as diferentes cotas estipuladas pela TV Globo para cada edição, mas esse é apenas o início. O programa movimenta todo um ecossistema que passa pelas marcas, influenciadores, creators, agências, artistas, etc.

Big Brother Brasil é ambiência publicitária por excelência, que vem se complexificando a cada nova edição ao misturar novas e tradicionais práticas em um crescente atravessamento da tecnologia. E, justamente por apresentar-se com esse contexto, pouco escutamos de reclamações sobre a presença das marcas. Pelo contrário: essa presença é esperada e gera conteúdo. Afinal, tudo vira entretenimento.

O olhar atento para essa exuberância publicitária nos traz aprendizados, das estratégias transmídia que atravessam os múltiplos pontos de contato entregues pela Globo ao refinamento estético dos breaksmilionários. Mas um dos formatos carrega complexidade sígnica de um tipo especial: as ações de marca dentro da casa mais vigiada do Brasil. A cada edição, mais possibilidades; das mais simples às mais tecnológicas, como o desfile com hologramas realizado pela C&A em 2021.

Das provas a serem encaradas pelos participantes às recompensas como o Almoço do Anjo ou Cinema do Líder, há sempre uma marca presente e, com ela, um arsenal de estratégias de sugestão e persuasão na tela de milhões de brasileiros. E, diferentemente dos breaks que, como sugere o nome, é o momento de pausa ou descanso, essas ações acontecem nos grandes momentos do programa, quando há tensão e atenção, torcida e nervosismo; os olhares estão todos na tela; a relevância é garantida pelo conteúdo do reality.

A exuberância estética é o ponto de partida para essas ativações. Não há espaço para menos, tudo é espetacular. Não importa para onde o olhar esteja voltado, a marca está ali. Seja em suas cores espalhadas pelo cenário, seja nos produtos hiperbólicos que fazem parte das provas, seja nas vinhetas que marcam o início ou o fim de cada desafio. Mas, além do entretenimento, ao encarar esses momentos como manifestações publicitárias que são, a centralidade é de uma dimensão que frequentemente vem sendo relegada ao segundo plano: a concretude do produto.

A chegada dos meios de comunicação de massa no século XX e as possibilidades criativas advindas da importância da imagem e do som fizeram com que a publicidade se afastasse cada vez mais da literalidade a fim de criar novas e mais sedutoras associações de sentido aos produtos. Cigarro é mais do que nicotina ou o prazer de fumar, mas liberdade e virilidade; perfume é não apenas aroma, mas elegância e sofisticação. Ou seja, o produto é desmaterializado e assume sentidos que se conectam com as mais profundas necessidades simbólicas do consumidor.

Décadas se passam e esse processo é rapidamente intensificado pela evolução tecnológico-midiática e pela generalização do ambiente digital na vida cotidiana. Na busca por relevância, as marcas engajam-se em causas e assumem propósitos, produzem conteúdos e promovem permanente interação pelas redes sociais.

As provas do BBB seguem outro caminho. Os produtos e serviços não apenas estão presentes, mas orientam suas dinâmicas. Atributos, benefícios e situações de uso ganham o espaço que, nos filmes publicitários e nas redes sociais, costumamos ver ocupado por sentidos e valores mais abstratos.

Uma das construções mais simples foi a apresentação do produto hiperbólico. É o caso da prova do Guaraná Antárctica em 2011, em que os participantes deveriam se pendurar em garrafas que tinham a dimensão de pessoas. Uma simplicidade e objetividade que acabou resultando em um dos momentos mais lembrados em toda história do programa (não por acaso, em 2021, a Fanta recriou o desafio).

Porém, houve caminhos mais sugestivos. Superbonder durante o BBB10, pendurou os participantes de ponta cabeça supostamente utilizando a supercola, ou na edição de 2021, durante uma prova de resistência da Avon, os participantes giravam em uma estrutura como um carrossel enfrentando calor, frio, chuva e vento. São provas que incorporam dinâmicas capazes de sugerir os benefícios dos produtos – a força da cola capaz de segurar uma pessoa de ponta cabeça e a resistência e durabilidade da maquiagem.

Houve também percursos envolvendo as situações de consumo. A Knorr durante o BBB11, fez os participantes usarem fantasias de frango, tomarem um banho de tempero (uma chuva de confetes), se embalarem em sacos plásticos e entrarem em um ambiente fechado e quente que simulava um forno. Em ação mais recente, foi a vez de Levíssimo (Seara) pedir para os brothers montarem sanduíches hiperbólicos em uma prova de agilidade durante a edição desse ano. A suculência, praticidade e sabor do Meu Frango Assado Knorr e a leveza e saudabilidade do Levíssimo Seara ficaram por conta da locução dos apresentadores, que colaboraram para manter o protagonismo nos produtos e naquilo de novo e único que eles tinham a oferecer.

Não há dúvidas que a desmaterialização dos produtos é uma potente estratégia para criar profundos vínculos de sentido com os consumidores. Porém, o esforço para sair da inércia deve ser constante e demanda reflexão. Na obstinada busca pela relevância simbólica, pode-se perder aquilo de mais concreto que as marcas oferecem: seus produtos e serviços.

Essa é a dimensão que as marcas vêm resgatando em suas presenças nas provas do BBB. Pelas construções hiperbólicas, mostra-se atributos; pela linguagem lúdica, fala-se de benefícios; pelo jogo, entra-se nas situações de consumo. Tudo isso sem perder a sofisticação estética ou renunciar os sentidos que extrapolam os produtos, que continuam sendo trabalhados no ecossistema da marca. Enfim, não é sobre retornar à literalidade dos primórdios da publicidade impressa, mas sobre identificar caminhos e formatos possíveis para trabalhar os produtos, sobre não perder a referência daquilo que está sendo oferecido às pessoas. É entender que a publicidade pode sensibilizar, engajar e fazer pensar, mas que ela tem uma íntima e indissociável relação com a cultura material.

 

Rafael Orlandini

Publicitário formado pela ECA-USP e especialista em Cultura Material & Consumo: perspectivas semiopsicanalíticas pela ECA-USP, mestrando do PPGCOM-USP e pesquisador da Casa Semio.

 

 

 

 

 

 

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Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.