O que é “orgânico” nas terras do algoritmo?

Por Clotilde Perez

29/06/2022 11h15

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No mercado da publicidade e das mídias, volta e meia novos jargões surgem à cena para designar novas práticas e rotinas comunicacionais. O profissional atento às movimentações de seu segmento deve sempre estar por dentro desse novo vocabulário e se inteirar de seus significados. Mas, mais do que assimilá-los e incorporá-los no dia a dia, é preciso não cair no canto da sereia próprio ao modus operandi publicitário e desenvolver um olhar crítico: nem toda novidade é tão nova assim. Nem sempre tudo o que se vende como inovador é disruptivo no sentido de romper totalmente com o passado. É o caso do “orgânico”.

 

Nos últimos dez anos, com a ascensão das redes sociais e a profissionalização das suas formas de rentabilidade enquanto plataformas de mídia voltadas a anunciantes, o termo “orgânico” invadiu as discussões e os objetivos de clientes e agências. Mas de onde ele vem e quais sentidos carrega?

 

O termo nasce da oposição entre a mídia paga e a mídia espontânea. Em contraposição ao impulsionamento pago de posts e conteúdos digitais estão as dinâmicas nas quais os consumidores midiáticos se apropriam de tais conteúdos e passam a colocá-los em circulação sem que sejam remunerados por isso.

 

Em cada rede social, essa movimentação “orgânica” ganha um contorno diferente. No TikTok, por exemplo, as músicas que se tornam hits e os challenges de dança dependem diretamente do envolvimento direto dos usuários que remixam, fazem suas próprias versões e dão os seus próprios sentidos para aquele material. No Twitter, a lógica do retweet opera com iscas (baits) para que os assuntos invadam as timelines de vários usuários.

 

Contudo, o “orgânico”, como o próprio nome nos induz a interpretá-lo, é uma movimentação assim tão natural?

 

De um lado, é possível dizer que há algo próprio das dinâmicas da comunicação entre seres humanos nesse fenômeno. O “orgânico” eleva à enésima o conceito de propagabilidade, que é a capacidade de uma informação ser replicada e passada para frente, gerar um boca-a-boca, como chama o dito popular. Boatos, lendas urbanas, piadas e fofocas existem desde que a comunicação entre seres humanos existem, muito antes do contexto digital. Henry Jenkins, em seu livro Cultura da conexão, elenca diversos fatores que trazem um potencial propagável.

 

De outro lado, é fundamental ter em mente que, mesmo no contexto “orgânico” da circulação midiática digital, as plataformas interferem de forma cabal, trazendo algo de artificial para o fenômeno. Os algoritmos direcionam e impulsionam quais conteúdos são dignos de propagabilidade e quais vão sendo esquecidos no turbilhão. Ainda que sejam segredos de negócios e suas lógicas sejam inacessíveis para a maioria das pessoas, sabemos que os algoritmos avaliam conteúdos, privilegiam aqueles que tragam as palavras-chaves que estão sendo as mais citadas naquele momento, censuram determinados termos, impulsionam assuntos “quentes” que demonstram rápido e numeroso engajamento etc. Sem dúvidas, crer em um “orgânico” sem considerar as tramas algorítmicas é cair na ingenuidade.

 

Diante disso, estratégias criativas que busquem a viralidade “orgânica” devem levar em consideração ambas as frentes: aquela da propagabilidade natural à comunicação e as tendências do que, naquele momento, observamos do algoritmo. Devemos perguntar tanto “o que faz alguém replicar um conteúdo?”, observando as dinâmicas que tornam um conteúdo com um alto potencial de propagabilidade, quanto “o que o algoritmo quer agora?”, sempre de caráter movente e contingencial.

 

O “orgânico” nas terras do algoritmo mistura a potência exponencial de replicação da comunicação e as técnicas industriais da comunicação algorítmica de controle e direcionamento.

 

Renato Gonçalves

Pós-doutorando pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB-USP). Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP). Mestre em Filosofia pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP (IEB-USP). Membro do GESC3 (Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo). É docente na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP) no curso de graduação em Comunicação e Publicidade.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.