Símbolos são signos que têm a capacidade de representar algo para alguém, uma ideia, informação, conceito. São arbitrários e, em princípio, qualquer coisa pode ser símbolo de qualquer coisa desde que haja um investimento nesse sentido, tornando seu significado comum para um grupo de pessoas pequeno ou imenso, e que não encontre rejeição nesse grupo. Assim, temos símbolos globais como o formato do coração e seu sentido universal de amor e afeto e outros absolutamente particulares, onde apenas poucos comungam do seu significado. Os símbolos facilitam a comunicação, abreviam o entendimento, são síntese, e, em inúmeras situações, favorecem a agradabilidade pela afetividade que podem instaurar.
Quando pensamos no Brasil aprendemos e compartilhamos muitos símbolos. Como a bandeira, nosso hino nacional, as cores verde e amarela, com as referências que aprendemos ligadas à exuberância das nossas matas e ao sol (e ao ouro?). Mas havia também símbolos construídos relacionados ao povo brasileiro e sua imagem, muito bem estudados e problematizados por antropólogos e sociólogos como Sergio Buarque de Hollanda, Darcy Ribeiro, gilberto Freyre, Renato Ortiz, Roberto DaMatta e, tantos outros, mesmo com interpretações e críticas das mais variadas às suas teorias e métodos. Assim, cordialidade, alegria e receptividade faziam parte da nossa identidade, comunicada e percebida internacionalmente e de alguma maneira crível para nós porque vivenciada, mesmo que parcialmente. A imensa faixa litorânea e as praias, o calor e o sol, o carnaval, as festividades populares, o futebol arte, a exuberante Amazônia, apenas para citar alguns símbolos do país e do brasileiro. São muitos símbolos e de natureza diversa, materiais e imateriais.
Mas, notamos nos últimos anos distorções e apropriações de vários desses símbolos, esvaziando-os de seus sentidos gerais do mesmo modo que foram aderindo a perspectivas pouco republicanas. Desde as manifestações de 2013 e do 7 X 1 no jogo Alemanha e Brasil na Copa de 2014, parece que estamos “descendo a ladeira” em todos os aspectos, real, imaginário e simbólico. As cores verde e amarela já há anos estão associadas à extrema direita e seus valores reacionários e individualistas, do negacionismo da pandemia ao culto ao voto impresso, passando pela terra plana, movimento antivacinas, machismo e homofobia. Os ataques de todo o tipo a Amazônia (passa a boiada…) e aos povos originais, nos agridem em nossa essência e deixam nossa imagem comprometida, do mesmo modo que as polarizações, os conflitos e as inúmeras expressões de ressentimento, nos distanciaram da alegria e da cordialidade. Sofrimentos estampados no crescente consumo de medicamentos para equilíbrio psíquico, busca crescente de terapias tradicionais e alternativas, nas polarizações e ódios cotidianos, além do desemprego de mais de 14 milhões de brasileiros, são fatos incontestáveis de uma crise profunda e complexa. Incêndio no Museu da Língua Portuguesa (2015), no Museu Nacional (2018), e, mais recentemente, incêndio na Cinemateca Nacional (2021), além da queima do servidor do CNPq (2021) que abriga a base de dados dos cientistas e pesquisadores brasileiros, atestam a impossibilidade de qualquer nesga de euforia e otimismo. A realidade se impõe com toda a força mostrando o dilaceramento de instituições estruturantes da vida em sociedade. Quase 600 mil mortes pela Covid-19 e a indiferença palaciana. Desde a liberação da obrigatoriedade da cadeirinha no carro para bebês e crianças, aumento dos limites de velocidade nas estradas, passando pela abominável declaração “até empregada vai para a Disney”, com mais armas e mais baratas (Brasil bateu recorde na importação de revólveres e pistolas) e ainda mais emblemadas na fala “idiota é quem diz que precisa comprar feijão; tem que todo mundo comprar fuzil”, até a taxação dos livros, desfile pífio de tanques de guerra caquéticos em baforadas de fumaça pelas ruas de Brasília e o assalto da iniciativa privada no Ministério da Educação, muito, muito pouco nos resta. Dia do agricultor? Claro, com um anúncio da Secom – Secretaria de Comunicação do Governo Federal estampando um agricultor portando uma espingarda…
O que tudo isto significa? Significa que a indiferença e a promoção da morte são política de governo. O que nos resta? Resistir e agir com inteligência e estratégia para restabelecer as bases razoáveis para uma cidadania plena compartilhada por nós brasileiros, que não será igual para todos, posto que é pura utopia romanceada, mas que seja possível para todos. Recuperemos nossos símbolos, restabeleçamos seus sentidos comuns, revivamos o compartilhar dos seus significados. O verde e o amarelo são de todos nós. A partir desse resgate sigamos guiados por um objetivo comum, todos e os melhores esforços na busca de uma sociedade com igualdade de oportunidades e possibilidades.
Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, é titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Ela é fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Ela apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.