Ninguém, ao que se saiba, escolhe fazer faculdade de publicidade para salvar o mundo, melhorar a vida das pessoas ou lutar por uma sociedade melhor.
O jovem, de uma forma geral, como se sabe, conforme vai chegando ao fim do ensino médio, começa a ter que lidar com o desafio de escolher que carreira profissional vai seguir. E isso tem a ver, em muitos casos, com escolher um curso superior como opção na hora de prestar o vestibular.
É de se perguntar: o que leva alguém, hoje em dia, com tantas possibilidades disponíveis – das tradicionais de sempre às mais inovadoras, passando pela que estão momentaneamente em alta –, a escolher estudar publicidade? Me parece que três fatores contam.
Primeiro o jovem pensa no que ele vai trabalhar, o que ele concretamente vai fazer. Devem vir à sua cabeça as agências de publicidade, as empresas anunciantes, talvez as produtoras de conteúdo, de repente os veículos de comunicação, as plataformas digitais, startups, por que não? Enfim, pensa que vai trabalhar no chamado mundo corporativo, em alguma empresa, mas não exatamente com finanças ou com questões jurídicas, como farão os economistas, os administradores e os advogados.
Escolhe-se publicidade para poder exercer no âmbito mercadológico certa aptidão que ele supõe ter com as palavras, com as imagens, com as ideias. O que o jovem sabe da publicidade antes de estudar publicidade, salvo algumas poucas exceções, é o que lhe contou a própria publicidade. Ele enxerga anúncios por toda parte, imagens bonitas, mensagens criativas, ações de marcas incríveis, estratégias bem boladas e exitosas, embalagens sedutoras. É com isso que ele quer trabalhar.
Depois ele considera, conforme já apontado, as suas próprias aptidões e seus próprios talentos, tendo por base, via de regra, seu desempenho escolar e suas ainda tímidas atividades ditas profissionais – isso quando elas há. Normalmente vão procurar os cursos de publicidade aqueles alunos que, antes disso, reconhecem em si próprios alguma proximidade com o que ainda hoje se chama de “humanas”.
Preferem as palavras aos números, os desenhos livres aos geométricos, a história e a geografia às mitocôndrias e aos pêndulos. E com isso supõem que devem escolher uma carreira que lide com todos esses elementos. Talvez não saibam que, cada vez mais, os números, os cálculos, a programação digital e, até mais do que isso, certo pensamento mais matemático vem compondo as competências exigidas no exercício profissional da publicidade. Mas isso é outra história.
Por fim, considerando inclusive o que já se mencionou acima, faz-se um cotejamento entre volume de trabalho e o retorno que ele proporciona – financeiro, afinal chegam os boletos; mas também certa satisfação pessoal, certo senso de realização etc. Sim, toda a gente sabe que publicitário trabalha muito, vira madrugada, sofre com prazo, acumula tarefas etc.; mas quem não vive assim hoje em dia? Sim, ainda que não se possa fazer uma associação direta entre ser publicitário e enriquecer, trabalhar com publicidade não significa obrigatoriamente ser pobre (como acontece com quem escolhe ser professor, por exemplo).
Mas e a satisfação pessoal, o senso de realização, aquilo que faz a pessoa se sentir efetivamente plena por meio do trabalho que desempenha? Talvez ganhar um prêmio, andar pela rua, ver um cartaz num ponto de ônibus e dizer “fui eu que fiz”, reconhecer-se “por trás” de uma certa estratégia de uma marca qualquer, algo do tipo.
Jovem do ensino médio, ou você que está pensando em cursar uma faculdade, cuidado: a equação está invertida e você nem sabe. Você que está em vias de escolher a sua profissão e para tanto está considerando apenas aspectos objetivos, como a maioria dos mencionados acima, fique atento. Ao escolher publicidade, você não vai estar simplesmente definindo onde você vai trabalhar, o que você vai produzir, com que que tipo de competências vai precisar contar, o quanto vai se sentir realizado ou quanto de dinheiro vai ganhar. Ao escolher publicidade, você está assumindo o risco de se embrenhar por uma das carreiras que, hoje, mais têm a ver com a condição social, cultural, econômica e política dos nossos tempos, no nosso país. Fazer publicidade, hoje em dia, é responsabilizar-se enormemente pela vida e pelo mundo que temos hoje.
E nem se está falando aqui de criar campanhas engajadas ou pensar em iniciativas corporativas que tragam algum tipo de retorno para a sociedade; menos ainda de novos modelos de negócio, empreendedorismo social, nada disso. Fazer publicidade é povoar o mundo de signos, preencher a vida das pessoas de mensagens e conteúdos, participar ativamente da construção dos imaginários que nos servem de mediação com a realidade. Quanto mais o consumo se converte no princípio geral da existência contemporânea, definindo padrões estéticos, modelando comportamentos, construindo valores e estabelecendo visões de mundo, mais a publicidade se responsabiliza por oferecer às pessoas certo entendimento da realidade. É mais através de anúncios, ações e peças publicitárias do que por meio de outros eventuais discursos – políticos, religiosos, científicos, por exemplo – que, hoje, se entende o que é bonito e o que é feio, o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é ruim. E isso quem faz é a publicidade, o tempo todo, anunciando qualquer coisa e vendendo de tudo, simplesmente na sua linguagem.
Ao apresentar-se às pessoas com esta ou com aquela imagem, com este ou com aquele tipo de linguajar, valorizando isto ou aquilo, dando espaço ou ocultando esta ou aquela pessoa, retratando esta ou aquela casa, a publicidade se revela potente e sorrateiramente linguagem e, como tal, se faz mediadora. É a publicidade a grande e maior interlocutora de uma sociedade majoritariamente empobrecida e desamparada institucionalmente. De modo que cabe ao publicitário definir como as empresas e as marcas vão se dirigir às pessoas – que noção de sujeito ou cidadão vão incutir nessas mensagens, que modo de vida vão oferecer através de seus discursos modelares, que visão de mundo vão privilegiar ou negligenciar naquilo que revelam ou escondem. Cabe ao publicitário o dever de projetar em linguagem o mundo em que vamos viver, consciente da sua responsabilidade e, de preferência, reconhecendo nisso o grande poder transformador que tem nas mãos.
Bruno Pompeu
Publicitário formado pela ECA-USP, doutor e mestre em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-USP, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso) e dos cursos de publicidade da ECA-USP e da ESPM-SP. Sócio-fundador da Casa Semio. brupompeu@gmail.com