Somos seres físicos. Ainda que inseridos em um contexto de vertiginoso crescimento do universo digital e de aparição de diversas formas de materialidades, somos feitos de carne e osso. Exatamente por isso que nosso contato com a sensorialidade (e a tatilidade em particular) dos objetos é responsável por evocar sentido de presença, de estar vivo no aqui e no agora. Mas o papel das materialidades não se restringe a isso. Elas têm a fundamental capacidade de corporificar valores e de fazê-los circular socialmente, compartilhando sentidos em âmbito coletivo e construindo identidades em âmbito individual.
Se as marcas fizeram-se presentes nas materialidades do mundo desde a Antiguidade com a identificação dos oleiros nos materiais que produziam, no mundo do hiperconsumo em que vivemos elas se espalham por todos os bens que habitam nossas vidas. As ações de ecossistemas publicitários propõem camadas de sentido que são sobrepostas nas materialidades dos objetos, que por sua vez circulam pela sociedade pelos processos de consumo. Do mais simples copo americano da Nadir à mais sofisticada taça da Baccarat, os significados circulam e atuam, ora de forma discreta, ora de forma extravagante, em nossas vivências.
As materialidades se transformam em suas expressões, mas continuam presentes de forma múltipla e diversa nas existências das marcas. Produtos com designs cada vez mais sofisticados, embalagens que carregam valores dos mais plurais, atenção aos rituais de uso, de posse e de descarte dos bens, ressignificações das mais diversas… Tudo isso revela a importância e a potencialidade do mundo físico no contemporâneo, em geral, e no mercado, em específico.
Enquanto os produtos e as embalagens vêm recebendo especial atenção nos últimos anos no que diz respeito às suas possibilidades de construção de sentido para as marcas, há um tipo de objeto sobre o qual as empresas e agências parecem depositar pouca reflexão, embora esteja diariamente em seus horizontes. São essas materialidades que venho chamando de objetos publicitários.
Um primeiro caminho de definição é olharmos para o objeto publicitário como uma materialidade que não faz parte da oferta principal de uma empresa e que tem como objetivo a criação de vínculos de sentido entre uma instituição e o consumidor que o terá em sua posse. O entendimento é amplo, assim como suas possibilidades de manifestação.
As concretizações dessa ideia estão espalhadas em nosso cotidiano: são os brindes ofertados na compra de produtos ou na assinatura de serviços, os presentes oferecidos aos influenciadores digitais e aos creators, os kits de credenciamento em congressos e eventos, os kits de boas-vindas de novos funcionários de uma empresa, os copos exclusivos de festas e festivais de música, entre tantos outros. Falamos, assim, de corporificar significados em objetos e colocá-los em posse de um indivíduo.
O que o exame das práticas do mercado e das pesquisas acadêmicas durante esses últimos anos nos mostra é que precisamente essa dimensão dos significados tende a receber pouca ou nenhuma atenção. O tratamento dado aos objetos publicitários ainda parece seguir uma visão tática do consumo e da comunicação, com objetivos principalmente ligados ao incentivo à compra pela promoção de vendas e à divulgação por meio de influenciadores digitais. Mas há muito mais.
O que precisamos entender ao olhar para os objetos publicitários é que é a materialidade a responsável pela criação dos significados que ali serão gerados. E falar em materialidade é falar sobre uma complexidade que envolve a tridimensionalidade do objeto, o trabalho gráfico feito em cima dela e os contextos associados a essa construção. Uma taça de acrílico incolor produz diferentes sentidos do que uma taça de vidro estampada, ao mesmo tempo que uma taça recebida como brinde no supermercado possui valor diferente da mesma taça se recebida em uma experiência proposta por uma marca admirada.
Existe o caminho da simplicidade. É inegável que a mera aplicação da identidade visual de uma instituição em um objeto carrega possibilidades publicitárias. A presença da cultura material é insistente no cotidiano e um objeto é perfeitamente capaz de exercer a função de lembrança de uma marca. Mas o que nessa simplicidade é capaz de manter esse objeto no dia a dia das pessoas e evitar o descarte? Qual o apego possível a um objeto que impõe sua marca no dia a dia do consumidor?
A sensorialidade importa, o contexto importa e a cultura importa. A geração de sentidos de um objeto está relacionada às qualidades que lhe dão forma (suas cores, linhas, texturas, volumes etc.), mas também ao caminho que ele fez para chegar até as mãos do consumidor, aos seus usos no cotidiano e aos valores associados àquela categoria específica de objeto. É a integração de tudo isso quer será responsável por gerar os significados que poderão ser associados às marcas.
Assim sendo, falar em objeto publicitário significa falar na junção de produto com publicidade, da longevidade de um conjugada à efemeridade do outro, do olhar que leva em conta a tangibilidade, as experiências e os valores. Como será o objeto? Como a marca aparecerá? Quais os sentidos culturalmente associados a ele? Quais experiências serão criadas? Qual o papel desse objeto na estratégia de marca? E na estratégia de produto? São as respostas dessas questões e de tantas outras que se impõem no processo criativo que oferecerão o subsídio para a criação de objeto publicitários que promovam real integração entre marca e consumidor e que possam garantir suas presenças na vida das pessoas.
As materialidades são potentes em suas capacidades sugestivas, afetivas e representativas. Vezes elas são discretas em nosso cotidiano, mas capazes de promover apego, de remeter a situações e a pessoas na criação de memórias, de corporificar valores e de colaborar com a criação, descoberta e expressão de identidades. Por meio dos objetos publicitários, as marcas associam-se às profundas dimensões que nos constituem como sujeitos e tornam-se capazes de se fazerem presentes de forma duradoura e com ainda mais sentido nas vidas das pessoas.
Rafael Orlandini
Publicitário, mestre em Ciências da Comunicação pelo PPGCOM-USP, especialista em Cultura Material & Consumo: perspectivas semiopsicanalíticas pela ECA-USP e pesquisador da Casa Semio