Os Sentidos da Segurança e da Confiança: aproximações e distanciamentos

Por Clotilde Perez

26/05/2021 12h30

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Em tempos difíceis e incertos muito ouvimos sobre a necessidade de nos sentirmos seguros e da confiança que devemos ter em alguma coisa, pessoas ou instituições, por exemplo. Importante compreendermos uma, a segurança, e outra, a confiança, até para termos condições de delimitá-las e dar-lhes o devido sentido.

 

Segurança é um estado, uma qualidade ou condição de quem está livre de um perigo ou incerteza, também pode ser uma ação, a ação para tornar-se seguro, estar assegurado de danos ou riscos. Esta é uma definição padrão; adentremos agora nos meandros da semiótica para compreendermos os processos sígnicos que estão em causa quando nos referimos a segurança.

 

Para a semiótica de Peirce há três níveis de segurança, um nível primeiro que expressa um instinto, uma adivinhação, o que nos conecta a natureza abdutiva humana, sem a qual não seríamos capazes de sobreviver no mundo. Os instintos estão fora do nosso controle consciente, por isso, manifestam a primeiridade, o que em uma linguagem atual poderíamos chamar de insight, em abordagem psicológica, de intuição, presságio ou pressentimento, ou no uso vulgar, palpite, um caminho que surge sem qualquer vínculo concreto ou explicação objetiva, mas que aponta para uma possibilidade, vez por outra, a única correta. Peirce explica os insights como possíveis pela afinidade do intérprete com o objeto do signo, pela familiaridade, intimidade qualitativa, ou seja, com o nível de semelhança, gostos, interesses e sentimentos que os une, portanto, pelas qualidades que ressoam do signo abrindo os sentidos do intérprete pela comunhão com objeto.

 

O segundo nível de segurança advém das nossas experiências, daí sua natureza segunda, como força bruta, ação-reação, experimentação, ensaio, tentativa, práticas, surge da realidade factual. Estamos no âmbito da empiria e da construção dos nossos repertórios sensíveis experimentados deliberadamente ou não, ao que Peirce intitula experiência colateral. Na pesquisa científica, a secundidade se manifesta no método indutivo, onde, por meio dos indícios, pistas, sinais etc., chegamos as consequências ou conclusões generalizantes. Assim, o segundo nível de segurança é construído, portanto, processual, e decorrente da nossa ação, sensibilidade e aprendizagem. Carrega certa historicidade e memória, como no ditado popular “gato escaldado tem medo de água fria”.

 

O terceiro nível de segurança tem a natureza da regularidade, da lei, é formal e regido por princípios lógicos. É pela forma e recorrência que teremos a segurança de sua validade. Para Peirce, a segurança da forma aparece no argumento dedutivo, pela inferência lógica, uma ilação. A dedução nos dá o conforto da validade, assim, um fósforo que está queimado, continuará queimado horas depois uma vez que não lhe é característica a propriedade da autorregeneração. Ou seja, a dedução aqui é possível pela garantia das leis da física dos materiais.

 

Depois de percorrermos os três níveis de segurança sensível, empírica ou lógica, é importante entendermos a confiança e suas relações.

 

Enquanto segurança é um estado, a confiança é um sentimento, uma força interior que nos permite acreditar em algo ou alguém. E suas origens estão relacionadas aos três níveis possíveis de segurança, no entanto, o fiar-se de ou fiar-se em, ganha sustentação na experiência, ou seja, no nível segundo. A confiança é um depósito de credibilidade, acreditamos que algo ou alguém é probo, moral, sincero, leal, discreto etc. etc. Esta natureza segunda da confiança nos coloca diante da realidade da ação concreta como caminho para sustentação e renovação deste sentimento. Por isso, é que devemos estar conectados com as ações e não apenas com os discursos na construção da confiança. Fazer mais do que falar é o tom da confiança. Daí que a ciência, que alcança o nível terceiro, da lei, está se posicionando cada vez mais na iluminação da empiria, como acontece na área da medicina e da biologia, onde o “baseado em evidências”, tem dado o tom, consolidando a confiança na ciência. Esse também deve ser o caminho das organizações, expressas pelas suas ofertas e, principalmente, pelas marcas. Fazer mais do que falar é o caminho consequente para que a confiança emerja.

 

 

Clotilde Perez

Professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, Clotilde Perez é titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Ela é fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Ela apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.