Publicidade: arte, técnica e humanismo

Por Clotilde Perez

25/01/2023 14h55

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Recentemente, saiu o ranking dos cursos de graduação mais concorridos na Fuvest de 2023 e Publicidade continua entre os 15 mais procurados. Para ser mais precisa, está em 13º lugar, atrás de Jornalismo (11º) e Artes Visuais (12º). Concorrência que também ocorre em diversas universidades federais e estaduais por todo o país. Lembro que, em 2009, quando iniciei a minha carreira de docente, o curso de Publicidade estava em 1º lugar na Fuvest, com nota de corte superior à de Medicina. Nos anos seguintes, mesmo alternando posições, sempre esteve entre os mais disputados, à frente de muitas das ciências ditas duras, como engenharia e computação.

 

E tem gente que diz que a publicidade vai morrer, que as agências vão deixar de existir e que o negócio da comunicação publicitária está fadado a desaparecer. Na verdade, as múltiplas possibilidades da mídia digital e das redes informacionais apenas multiplicaram as formas de manifestação das marcas, abrindo novas frentes de trabalho, tanto nas agências como nos anunciantes, fragmentando departamentos, unindo outros e criando novos cargos e denominações. Nesse sentido, o trabalho do publicitário e da publicitária está muito mais complexo do que o apresentado na série (e no livro) Mad Men, no qual uma big idea surge de repente, em meio a fumaça de cigarros e copos de whisky.

 

Hoje, mais do que nunca, o trabalho publicitário é colaborativo, tem início na análise e compreensão profunda do querer de consumidores e consumidoras, não apenas a partir do big data, mas de um olhar aguçado sobre o que os dados querem dizer. Como aponta José Van Dijck (2017), os metadados das redes sociais podem não revelar nada se não houver uma base analítica crítica, por isso, muitos profissionais ainda resistem às fórmulas data driven como a solução de todos os problemas de criação.

 

Relembro o artigo publicado no Washington Post (2018), com o título: “Queridas empresas de tecnologia, não quero ver anúncios de gravidez depois que meu filho nasceu morto”, relato sobre a dor da perda e de como os algoritmos das redes sociais “leram” as postagens da colunista e continuaram a lhe mostrar mimos para o filho que não chegou a nascer.

 

Esse exemplo singular nos mostra a importância da compreensão das jornadas on e off-line, que requer profissionais com uma formação com forte base humanista. Ainda que a tecnologia queira cortar caminhos, precisamos saber quais atalhos escolher para lidar com tanta informação. A dataficação da vida deixa brechas e sabemos da ausência de imparcialidade nos dados já que, como aponta a mesma Van Dijck, os algoritmos utilizados são seletivos e manipulatórios, não há objetividade nos dados. Podem, sim, servir como um farol indicativo de veredas. Contudo, quem irá percorrê-las será a criatividade, capital caro às agências.

 

Em recente pesquisa exploratória pude observar um emaranhado de novas denominações de cargos nas agências, contaminadas pelo universo semântico das techs, que têm se consolidado também nos departamentos de marketing. São profissionais que trabalham nas agências ou nas in-house, modelo híbrido que traz parte das agências para dentro do anunciante, trabalhando em conjunto.

 

De outro lado, a expansão da mídia digital fez com que muitas agências ampliassem a prestação de serviços de comunicação para as marcas, ou melhor, para a resolução de problemas de negócios tendo a comunicação como mediadora, criando clusters de profissionais para atender projetos cada vez mais complexos. Porque o mundo está cada vez mais complexo.

 

Até 1951 não havia um curso para formação em publicidade no país, quando foi criada uma Escola de Propaganda, no MASP, em São Paulo, com incentivo de Pietro Maria Bardi e Assis Chateaubriand, tendo à frente um grupo de profissionais da área. Entretanto, a profissão só foi regulamentada em 1965, cuja lei refere-se aos publicitários como profissionais que exercem as “funções artísticas e técnicas através das quais estuda-se, concebe-se, executa-se e distribui-se propaganda”. Hoje, temos dezenas de cursos de formação superior em Publicidade e Propaganda, bastante concorridos. E o desafio de formar estudantes que deem conta de tamanha complexidade, para que arte e técnica permaneçam juntas, como antes, em sua origem grega techné, que significa o bem fazer.

 

Cristina Dias

Publicitária e doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde também realizou seu pós-doutoramento e é professora do curso de graduação em Publicidade e Propaganda. Suas pesquisas se voltam às mudanças nos processos de trabalho das agências de publicidade contemporâneas, com especial atenção aos processos criativos. Além de atuar por mais de vinte anos em agências, como diretora de criação e redatora, é haicaísta, poeta e escreve crônicas e contos, tendo sido finalista do prêmio Off Flip de Literatura em 2022 e 2015.

 

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.