Desde que o consumo se converteu na lógica dominante na cultura ocidental e nas sociedades capitalistas modernas e contemporâneas, os estudos de tendência se desenvolveram como forma de compreender o chamado zeitgeist – espírito do tempo, para simplificar – e, ao mesmo tempo e a partir daí, subsidiar o desenvolvimento de novos produtos. Primeiro, na moda, depois, em todos os segmentos do mercado. Mas, no que consiste uma tendência?
Com o passar do tempo e o próprio desenvolvimento do mercado – o de pesquisa de tendências, inclusive –, consolidou-se a ideia de que tendências são ideias, valores, abstrações, enfim, que emergem mais ou menos espontaneamente em distintos pontos e áreas da sociedade, como resposta a mudanças no contexto, manifestando-se em sinais dos mais variados tipos – hábitos, modinhas, produtos etc. –, sendo crescentemente adotados pelas pessoas, até serem abandonados por elas. Notem o ponto central da questão: ideias, valores, abstrações! Tendência não é a nova cor de esmalte que todo mundo quer, a música-chiclete que está tocando em toda parte, o assunto que dominou as redes nos últimos dias ou a peça do vestuário que surgiu no universo de luxo e agora está vendendo até no camelô. Essas são as manifestações das tendências, concretas, passageiras, segmentadas, quase sempre feitas para consumir. Por trás delas é que estão as tendências, os significados que elas carregam e lhe conferem atratividade.
Só que, com o Google Trends, a coisa mudou. Ao chamar sorrateiramente a ferramenta de trends, sugerindo se tratar de um instrumento preditivo, e pela insuperável força de seu alcance, mas não passando de uma ferramenta – sofisticadíssima, mas ainda assim, apenas ferramenta; que tem sua utilidade, daí ser ferramenta – que monitora buscas na internet, no presente e… no passado. E esta foi a mudança radical. Se, antes, as pesquisas de tendência baseavam-se na coleta de dados, mas só se concluíam com uma elaboração interpretativa, daí, sim, sendo possível apontar o que viria a ser “sucesso” no futuro, hoje, no mundo do Google Trends, “pesquisar” tendências passou a significar estabelecer um olhar que converge para o presente. Triste e pobremente.
Sem a elaboração, sem a reflexão, sem a abstração, não se projeta nada para o futuro, não se pensa o sentido que as coisas têm neste e no próximo tempo. Os dados – tão ricos quanto frios – que o Google Trends nos fornece nos prendem à estagnação, à repetição, à massificação, à imitação; portanto, nos afastam da mudança, da alternância, da distinção, da autenticidade e, acreditem, da inovação. Saber o que todo mundo quer agora e eventualmente poder oferecer algo semelhante não faz de você uma pessoa inovadora; pensar no significado que têm essas coisas, daí sim, lhe permite oferecer algo de interessante para elas – hoje e amanhã. Daí que a dica seja simples. Quer identificar tendências? Esqueça o Google Trends. E exercite sua capacidade sensível, analítica e interpretativa.
De forma simples, sem querer achatar excessivamente um repertório teórico-metodológico denso e diverso (ver Sobre tendências e o espírito do tempo, de Janiene Santos), dá para pensar em boas dicas práticas. Primeiro, esteja atento a três grandes áreas da cultura e da vida em sociedade – os 3 Ps da pesquisa de tendências: pessoas, produtos e pensamentos.
- Pessoas: se atente aos novos comportamentos, novos gostos, novos hábitos, o que estão fazendo, o que estão vestindo, aonde estão indo, como têm se arrumado, do que falam, como falam etc. Olhe principalmente para os jovens, mas também para aquelas pessoas, de qualquer idade, mais ousadas, diferentonas, experimentadas, aquele que você chamaria de autêntica ou alternativa – ou esquisitas mesmo.
- Produtos: produtos, propriamente, mas também ingredientes, elementos do processo produtivo, embalagens, ações promocionais, vitrines, comunicação e divulgação, argumentos de vendas etc. Vá ao supermercado e ao shopping, claro, mas não deixe de frequentar feiras de design, mostras de todos os tipos, magazines de luxo e ruas de comércio popular.
- Pensamentos: arte, basicamente, mas no sentido mais amplo possível, compreendendo as artes tradicionais, mas, também e principalmente, arte popular, arte de rua, arte alternativa etc. Ou seja: frequente museus, mas dê preferência às exposições temporárias e às bienais, olhe para o lado, para o alto, para o grafite, o lambe-lambe, ouça música, vá ao cinema, tente escapar das “recomendações” do streaming.
Mas como saber o que disso tudo importa e o que deve servir de base para uma reflexão que me ajude a identificar os sinais de uma tendência a ser interpretada? Use três parâmetros básicos: o inédito, o inusitado e o recorrente.
- Inédito: aquilo que você nunca viu e está vendo pela primeira vez, aquilo que pode não ser absolutamente novo, mas é novo para você, funcionando isso, inclusive, como estímulo à ampliação do seu repertório;
- Inusitado: algo que você já viu, mas não deste novo jeito, há um deslocamento, uma combinação inesperada, uma inversão, um elemento adicional… qualquer coisa que lhe pareça estranha, mesmo lhe sendo um pouco familiar;
- Recorrente: aquilo que alguém leigo chamaria de coincidência; algo que você começa a ver por aí e vai se repetindo, sobretudo em campos diversos, social, cultural, geográfica e geracionalmente.
Junte tudo, pense um pouco – pense muito! –, contraponha essas coisas todas com o que está acontecendo no mundo – política, economia, demografia, tecnologia etc. – e tente entender o que isso significa. Daí virão as tendências – valores, sentidos, significados, abstrações que vão pôr em articulação de coerência tudo o que você levantou. Entenda esse significado e acredite – de verdade, acredite, aposte – que é ele que faz alguma coisa ser atraente às pessoas. Daí você dá um jeito de oferecer acesso a esse significado por meio daquilo que você produza – moda, design, conteúdo, literatura, comida, serviço, o que quer que seja.
Pode não ser fácil, pode parecer (e não ser) simples, mas não é impossível. E, sendo assimilado como hábito constante, eu garanto, se não ajuda diretamente a entender o que está acontecendo agora e, com isso, projetar o que vai acontecer daqui a pouco, ajuda a manter em exercício funções humanas e cerebrais que o big data, a inteligência artificial – e o Google Trends – querem nos tirar.
Sobre o autor:
Bruno Pompeu é publicitário e semioticista, doutor em Ciências da Comunicação, professor e coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). É um dos sócios-fundadores da Casa Semio.