Sua ideia, nosso briefing: como as empresas transformaram o user generated content em uma ferramenta de trabalho

Por Redação

22/10/2025 16h44

Compartilhe
  • Whatsapp
  • Facebook
  • Linkedin

Por Carolina Anet Caminha, mestranda no PPGCOM/USP, influenciadora e criadora de conteúdo de jogos e diversidades

User Generated Content (UGC) ou conteúdos gerados por usuários são uma tendência de conteúdos criados em redes sociais que refletem a opinião real de usuários comuns, sem a interferência da marca. O grande chamariz do UGC é ser um conteúdo gratuito, feito por vontade própria pelo usuário, retratando sua real opinião. Esse tipo de conteúdo pode ser uma ótima ferramenta de autenticidade, passando confiança para outros interessados nos mesmos produtos ou serviços. Pelo menos, essa era a ideia original da definição.

Habitamos em uma sociedade totalmente imersa em plataformas e algoritmos que conseguem identificar tendências, interesses e necessidades de seus usuários para indicar conteúdos e anúncios que se encaixem em seu padrão de consumo (Dijck, Poell & Waal, 2018) e o surgimento do conteúdo UGC trouxe todo um novo leque de possibilidades para essas publicidades. tnião, com suas comunidades engajadas contribuindo para sua popularidade e o compromisso com o conteúdo produzido construindo sua reputação. Apesar de qualquer pessoa ser capaz de produzir um conteúdo UGC, visto que qualquer vídeo pode atingir público em potencial, uma pessoa que já tem uma presença consolidada nas redes sociais conseguiria alcançar usuários em maior escala. Toda essa simetria presente nas redes sociais torna a natureza da comunicação entre usuários completamente diferente de mídias tradicionais. A interação com outros consumidores acontece de forma síncrona, colhendo opiniões e complementando o debate sobre o conteúdo postado ou os produtos analisados, alavancando marcas (Karhawi e Terra, 2021).

Diante deste cenário, é compreensível a razão pelo qual o conteúdo gerado pelo usuário chama tanta atenção do público geral. Uma publicidade paga é uma ferramenta conhecida pelos espectadores e esperada que vá retratar o produto da melhor maneira possível, mas algo que foi feito de maneira espontânea por alguém que adquiriu um produto por vontade própria parece transmitir opiniões mais honestas na percepção do consumidor. E como esse tipo de vídeo, que deveria servir como uma opinião neutra e marketing espontâneo para as marcas, se tornou um modelo pago disfarçado de resenha inocente?

É difícil saber quando e como esse estalo aconteceu, mas fica cada vez mais comum assistir conteúdos marcados como UGC com uma tímida hashtag publicidade no meio de tantas outras marcações. Anúncios em agências pedem conteúdos “estilo UGC” com a presença de briefing, lista do que pode ou não ser dito, vídeo enviado para pré aprovação e cachê mediante apresentação de nota fiscal com CNPJ. Todas as características de uma publicidade paga, com a fantasia de uma opinião sincera.

Plataformas passam a impressão de serem ambientes acessíveis e convidativos (Poell et al, 2021) e realmente, frequentar e criar um perfil em uma rede social é um processo fácil e pouco burocrático. Transformar sua presença nas redes em um trabalho, no entanto, pode exigir um planejamento bem maior.

O trabalho UGC pode ser visto como uma estratégia para começar a traçar esse caminho, dividindo suas opiniões online para cultivar um público fiel até o conteúdo poder ser monetizado. Duffy (2017) já havia descrito esse tipo de dedicação como trabalho aspiracional, sendo este a ideia de um trabalho majoritariamente não pago, feito de forma independente na esperança de eventualmente conseguir transformá-lo em um trabalho pago, comumente associado a ideia de ser pago para fazer o que se ama. Curiosamente, trabalho aspiracional é constantemente encontrado ligado a criadoras mulheres. Duffy exemplifica que definições históricas de feminilidade e trabalho doméstico não pago podem ter contribuído para que mulheres aceitem esse tipo de trabalho com maior frequência.

O que observamos é que esconder a publicidade usando uma falsa estratégia UGC não parece ter uma vida útil muito longa. A utilização do recurso por empresas é notória para os usuários, que buscam cada vez mais conteúdos orgânicos onde a marca não tem influência. Se essa seria uma volta para publicidade mais tradicional, sinalizada, que tenta conquistar o consumidor pela originalidade e estratégias criativas ou se vamos acompanhar cada vez mais publicações parecidas com UGC contratadas, para passar essas “opiniões” de forma sutil, somente o tempo e as tendências de mercado vão dizer.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.