#SuperTrump e o delírio da masculinidade heroica

Por Redação

23/07/2025 08h43

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Por David Nogueira da Costa, doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, mestre em Sociologia e bacharel em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará

Na dia 10 de julho, o perfil oficial da Casa Branca postou no Instagram uma caricata montagem do atual presidente Donald Trump no corpo do Super-Homem, ou Superman, como tem sido chamado na campanha de promoção do novo filme do super-herói. Na imagem, vemos o “Super-Trump” alçando vôo, acompanhado do lema “Truth, Justice and the American Way” e do título da película. No topo, a frase “A Trump Presidency” e no rodapé, a logo da Casa Branca. Na publicação, há ainda uma legenda que diz “The Symbol of Hope”.

São signos genéricos e clichês; frases e lemas familiares a um léxico patriótico, ultranacionalista e totalitário. A mensagem posiciona Trump não apenas como salvador, mas também símbolo da pátria, ao vestir cores da bandeira estadunidense, encarnando o super-heroi mais famoso da cultura pop. A publicação surge em um período em que o presidente enfrenta severas críticas de civis, opositores e líderes internacionais por suas movimentações políticas autoritárias e inflexíveis.

No post, que atualmente conta com mais de 170 mil curtidas e cerca de 47 mil comentários, há uma série de reprovações ao presidente e ao seu atual governo. Até agora, isso parece não ter levado a Casa Branca a reconsiderar o seu posicionamento. A publicação, que evoca os signos da verdade, da justiça e da esperança, símbolos positivos e otimistas, parece também querer transmitir intimidação, na figura de um Trump superpoderoso, imbatível e invicto.

A comparação, no entanto, não se sustenta e Trump saberia disso, caso tivesse assistido ao filme. No longa, não é Clark Kent quem mais se assemelha ao chefe de estado, mas sim seu maior rival, Lex Luthor. Dono da LuthorCorps, bilionário megalomaníaco, Lex arquiteta campanhas de desinformação contra seu inimigo, defende a privatização do setor de defesa nacional e tem uma participação obscura em um conflito militar internacional com implicações geopolíticas globais. Soa familiar?

A aproximação simbólica com a figura de Clark, e não de Lex, não é ingênua, pois fazer o inverso denunciaria o que Trump realmente representa: um homem mimado, invejoso e perigoso, disposto a fazer qualquer coisa para preservar e ampliar sua riqueza obscena. Ele se apresenta como o “super-homem” capaz de alcançar as tão almejadas verdade, justiça e esperança em um mundo cada vez mais caótico e incerto. Simbolicamente, essa superação utópica se dá por meio de um corpo masculino, e mais especificamente, de um homem branco, ocidental e rico.

A crise não é apenas estética, mas é ética também. Intencionalmente, Trump propaga uma visão de mundo sem espaço para a pluralidade, para a diversidade e para o diálogo. Sem espaço para as diferenças. Um mundo homogêneo, masculino e excludente que rejeita as ideias de falha, derrota e diplomacia. Essa é a ética masculina-branca-norte-americana que Trump quer impôr.

Recentemente, em outro momento midiático polêmico, o diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn comentou que “o mundo está com fome de masculinidade”. A declaração parece ser sintoma de uma triste tendência de nostalgia e apreço pelos valores masculinos do passado que se associam à violência, à rigidez e à insensibilidade.

Aqui nos trópicos, a vontade parece ser outra. Na última semana, vimos a população brasileira reagir com frases, publicações e hashtags às últimas investidas tarifárias do governo estadunidense contra o Brasil. A frase “O Brasil é dos brasileiros” aparece em memes, imagens, posts e até em bonés, chapéus e camisas que começam a ser produzidos e comercializados para aproveitar o espírito do momento.

Pelo visto, não temos apenas fome, mas necessidade de outras masculinidades. Mais justas, éticas e plurais. Menos autoritárias e mais empáticas. Sem Trump e sem Lex Luthor.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.