VRAU! O leque sonoro no Gagacabana

Por Redação

06/08/2025 13h57

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Por Carolina Ferraz, mestranda em Ciências da Comunicação pela ECA USP e pesquisadora do GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo

Quando pensamos em uma reunião de mais de dois milhões de pessoas o barulho que vem a nossa mente é de burburinho de conversa ou coro acompanhando músicas. No Gagacabana – como ficou apelidado o show de Lady Gaga – o barulho, no entanto, era o VRAU! oriundo de milhares de leques utilizados para bater no ritmo da música, aplaudir e claro, abanar.

Os estudos de cultura material apontam que leques surgiram na China e logo foram absorvidos pelo Japão. Idealizados para espantar o calor, com o passar do tempo tornaram-se presentes diplomáticos, expulsavam maus-espíritos, escondiam o rosto demonstrando a modéstia de mulheres, eram suporte de textos literários e desenhos de artistas e até mesmo simbolizavam o controle em situações de guerra. Nos séculos XVIII e XIX eram instrumentos da nobreza europeia e os trejeitos de sua manipulação estabeleciam diálogos entre amigas e casais (Lui, 2002).

Um pouco esquecidos na modernidade, voltaram aos embalos sociais por meio da contracultura. Na década de 80, a cena Ballroom de Nova York posiciona o objeto como uma extensão do corpo durante a execução de passos do Vogue. Abrir o leque com força é uma das formas de expressar deboche e o blasé nas mãos das drag queens que se mostram inabaláveis. O VRAU! emitido pelo leque firma a presença e a força de um grupo marginalizado composto por negros e latinos LGBTQIAP+.

A prática de acompanhar a batida da música – ou leque sonoro – nasce das festas eletrônicas de tribal, vertente da música com influência do toque de percussão. O objeto começa a ser utilizado nas pistas de dança para realizar a marcação rítmica e compor as performances de dança nos palcos, junto à expressão corporal do bate-cabelo (Bailey, 2013).

No Brasil, além da presença nos bailes e festas citadas, os leques estavam nas mãos do mestre-sala, que utilizava o item para cortejar a porta-bandeira. Assim foram ganhando espaço nas arquibancadas do sambódromo até ocupar as mãos dos foliões dos blocos de rua.

Com a possibilidade de personalização rápida, tornaram-se um instrumento de divulgação de marca por meio de brindes e ações publicitárias. O comércio informal criou peças temáticas e o acessório virou queridinho na cultura de fãs. Stephan (2019) aponta que o uso de objetos em comum por grupos de fãs exerce função totêmica. O item é capaz de encapsular lembranças de eventos e momentos atravessados junto ao seu ídolo e à comunidade que o cerca.

Com base nesse conceito, os leques poderiam ser utilizados como o souvenir perfeito pelas marcas patrocinadoras e grudariam nas mãos dos little monsters mais do que o refrão de Shallow grudou em suas mentes.  Totens com leques gigantes, customização de leques, distribuição de leques… ações que só ficaram no campo da imaginação, exceto pela marca de cerveja patrocinadora que distribuiu alguns itens, mas com uma arte genérica e já utilizada em outros eventos. Nas áreas vip o objeto foi proibido de entrar pelas equipes de segurança. Algo um tanto contraditório em um território em que deveriam ser protagonistas e muito explorados.

O caso dos leques no Gagacabana é um bom exemplo de como devemos investigar a vida social das coisas (Appadurai, 2021) e seus rituais de uso (Perez, 2020) ao incorporarmos itens da cultura material em ações de comunicação. A compreensão do papel dos leques para quem compõe a base de fãs da Lady Gaga e a coerência narrativa dos patrocínios de marcas, por exemplo, evitaria os desentendimentos que aconteceram na porta das áreas vips do show, onde as pessoas eram obrigadas a descartá-los.

Nossa sorte é que ordem nenhuma é capaz de frear uma boa bagunça à brasileira. O comércio informal deu mais do que conta da demanda, criando os mais variados tipos de arte e modelos dos objetos, os quais formaram uma grande sinfonia, atraindo mídia e compartilhamentos em todos os cantos – da imprensa tradicional às profundezas do TikTok. Sob o olhar e as mãos dos brasileiros, os leques abalaram, embalaram e abanaram o maior concerto musical de uma artista feminina e mais uma vez, são parte da história.

Clotilde Perez
Professora universitária, pesquisadora e consultora
Clotilde Perez é professora universitária, pesquisadora, consultora e colunista brasileira, titular de semiótica e publicidade da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, concentrando seus estudos nas áreas da semiótica, comunicação, consumo e sociedade contemporânea. Fundadora da Casa Semio, primeiro e único instituto de pesquisa de mercado voltado à semiótica no Brasil, já tendo prestado consultoria nessa área para grandes empresas nacionais e internacionais, conjugando o pensamento científico às práticas de mercado. Apresenta palestras e seminários no Brasil e no mundo sobre semiótica, suas aplicações no mercado e diversos recortes temáticos em uma perspectiva latino-americana e brasileira em diálogo com os grandes movimentos globais.