Criadores que entendem de gente seguem em destaque. A inteligência artificial acelera processos, mas não substitui repertório, contexto e comunidade.
As redes sociais amadureceram. O tempo da novidade passou, e estamos numa era de disputa por permanência: quem retém, quem engaja e quem entrega valor real. Como disse Jim Louderback, ex-CEO da VidCon: “O mercado de redes sociais já atingiu a sua maturidade”. E nesse mercado mais exigente, não basta postar por postar: é preciso escutar, conectar, provocar.
É nesse contexto que a inteligência artificial entra com tudo, mas não como quem pensa que ela veio substituir o criador. A verdadeira transformação não está no “quem cria”, mas no “quanto mais rápido, mais acessível e mais escalável” a criação se tornou para quem já sabia o que fazer.
A IA está para os criadores assim como o YouTube esteve para a TV: ela encurta distâncias, tira a necessidade de atravessadores e coloca mais poder na mão de quem tem visão. Ferramentas como HeyGen, Poppy, Runway, TacTiq e ElevenLabs estão acelerando processos, reduzindo etapas e traduzindo ideias em conteúdo em questão de minutos. Mas isso não significa que qualquer um virou criador. Significa que quem já sabia fazer, agora faz mais, melhor e mais rápido.
A IA não elimina a criatividade — ela elimina a desculpa de que “não dá tempo”. Aí está a diferença entre usar IA como atalho ou como alavanca. O atalho pula a profundidade; a alavanca amplia o impacto.
O paradoxo do conteúdo: profundidade x velocidade
Em 2023, participei da VidCon, o maior evento de creators do mundo, em Los Angeles. Entre painéis e trocas com profissionais do mundo todo, uma discussão me marcou: os dados de consumo estavam cada vez mais contraditórios. Enquanto pesquisas apontavam que o público buscava mais profundidade nos conteúdos, os vídeos curtos com até 45 segundos ainda eram os que apresentavam melhor desempenho. A previsão feita ali foi certeira: haveria uma pressão por conteúdos que saíssem do raso, mesmo no formato curto. De lá pra cá, o TikTok expandiu o limite de duração de vídeos para 10 minutos e o YouTube parou de disputar com redes sociais para competir diretamente com a TV aberta e o streaming. Tudo isso muda a forma como pensamos estratégia, formato e profundidade na criação de conteúdo.
Hoje, o Brasil conta com aproximadamente 40 milhões de criadores de conteúdo, segundo o relatório The Creator Revolution (dez/2024), produzido pelo Creative Class Group em parceria com a Meta. O estudo considera criadores aqueles que produzem e compartilham conteúdo original em redes sociais e possuem ao menos 1.000 seguidores em uma das plataformas utilizadas. Mas o que diferencia quem cresce é a capacidade de traduzir cultura, entender comunidade e entregar valor. A inteligência artificial é ótima em reorganizar o que já existe, misturar, prever, combinar padrões com base em grandes volumes de informação. Mas não vive. Não sente. Não atravessa. E por isso, ela não tem contexto afetivo nem social real, que são os grandes pilares do repertório humano. Quem utiliza essas ferramentas com base em prompt genérico, entrega resultado genérico. Já quem tem bagagem, contexto e propósito, encontra na IA uma potência.
Ao mesmo tempo em que acelera a produção e amplia as possibilidades para marcas e criadores, a IA também levanta um sinal de alerta: estamos terceirizando a curadoria da cultura para algoritmos? Quando as plataformas moldam o conteúdo com base em personalização extrema — reforçando bolhas, enviesamentos e vícios de dopamina — quem de fato está moldando o que a sociedade consome?
O risco não está na IA criar vídeos/textos ou imagens, mas em definir o que merece ser visto, replicado e priorizado. E isso afeta diretamente marcas e criadores: se tudo virar variação do mesmo, perdemos o poder de provocar, transformar e gerar novos repertórios.
Um exemplo prático: IA com estratégia e humanidade
Um dos casos mais representativos no Brasil é o da Lu do Magalu, influenciadora virtual criada pelo Magazine Luiza. Ela é um exemplo de como a IA pode ser integrada à estratégia de marketing sem perder o fator humano. Apesar de ser uma personagem digital, Lu foi pensada para interagir com base em um profundo entendimento do comportamento do consumidor. Sua linguagem, aparência e função evoluíram ao longo do tempo conforme mudavam as plataformas e as expectativas da audiência.
A estratégia da Lu combina IA com processos reais de escuta, observação e análise de dados humanos. Ela não substitui o atendimento ou a comunicação humana — ela amplia, aproxima e personaliza. É a prova de que, quando usada com intencionalidade, a tecnologia pode reforçar o relacionamento, e não distanciá-lo.
Marcas como creators Vs Creators para marcas
Jim Louderback não sai da minha cabeça com a frase: “As empresas pagam mais pelas pessoas certas”. O valor não está só no alcance, mas na credibilidade e comunidade que o criador constrói. A verba existe para quem traz resultado, porque a marca enxerga como investimento e não custo.
Criadores são ponte entre marca e cultura. E no Nordeste do Brasil, onde a influência local tem ainda mais força, quem entende o contexto tem vantagem competitiva real. Criadores regionais não só falam com a audiência: eles são parte dela.
Nesse contexto, é estratégico testar diferentes formatos: conteúdos mais comerciais ou institucionais podem ser produzidos pela equipe interna de marketing com ajuda de IA para acelerar processos, enquanto os criadores recebem briefings mais livres, que não engessam sua criatividade. Pedir que o criador apenas segure o produto e diga “compre isso” é desperdiçar o potencial de conexão que ele tem com a comunidade. Afinal, a criatividade é justamente o motivo pelo qual ele foi contratado.
A IA pode estar presente na defesa da escolha de um criador de conteúdo, na análise de dados de um perfil, no briefing que não engessa, mas que explica para o criador qual é o papel dele na estratégia do negócio, no teste de diferentes botões, legendas e ganchos para entender a performance do vídeo, em tantos processos! Basta você entender o que faz sentido para o seu tipo de negócio, a sua estrutura de marketing e os seus objetivos como marca.
IA acelera quem já sabe o que está fazendo
Não é o prompt que faz o criador. É o repertório, o contexto, a vivência, o entendimento do negócio. Criadores são a nova TV, e a IA é o motor que os leva mais longe. Mas ela só acelera quem já tem estrada.
Nesta nova cena da influência, ficam as perguntas: Sua marca está colaborando com quem realmente entende de comunidade e cultura digital, e já integrou a inteligência artificial nesse processo? Ou ainda está presa no roteiro antigo?