Vale tudo no marketing de influência?

Por Redação

10/10/2025 08h51

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A era das micro novelas verticais e dos recortes virais: o que essa tendência nos mostra sobre o novo consumo de histórias e a influência no Brasil

Se você abriu o Instagram nas últimas semanas, provavelmente já cruzou com um trecho de Vale Tudo ou com o eterno dilema “quem matou Odete Roitman?”. 35 anos depois, a novela voltou ao horário nobre na televisão e às redes sociais com força de TT (Trending Topic). O mais curioso é que nem todo mundo está acompanhando pela TV, tem gente que entende o contexto da novela só pelos recortes e trechos que viram Reels, TikToks, dublagens, memes e análises. É uma novela reeditada pela cultura do scroll.

No fim dos anos 80, Vale Tudo representava a ascensão de um Brasil obcecado por status, hoje ela reflete outro tipo de vaidade: a da influência. A vilã que faz de tudo por poder, o mocinho que tenta se manter íntegro, a disputa por atenção… Tudo isso continua atual. A diferença é que, agora, os personagens também são os espectadores, isso constrói uma conversa mais próxima e uma identificação de nichos para algo que sempre foi comunicação de massa.

Diferente da TV, nas redes a gente não assiste de longe, a gente se vê. Essa sempre foi a diferença entre uma atriz/celebridade e uma criadora de conteúdo nativa digital. Priscila Fantin é uma referência mais distante do que Bianca Andrade, não é apenas uma questão geracional, é porque acompanhamos o crescimento e construção de sucesso da Bianca. Já a Priscila conhecemos na novela “Alma Gêmea” e não assistimos os bastidores desse processo, apenas a performance da personagem Serena.

Esse movimento  vem de uma tendência internacional, plataformas como Kwai e ReelShort já vinham se destacando nos últimos anos com mini novelas verticais, resumindo histórias inteiras em poucos minutos e alcançando bilhões de visualizações. Essas plataformas inauguraram uma nova lógica de storytelling – gancho, emoção e reviravolta em cada 30 segundos.

Há três anos, participei do YouPix Summit 2022 e essa tendência de novelas verticais já estava bombando na plataforma Kwai. A influenciadora Markelly Oliveira, conhecida como “Rainha do Kwai”, apresentou o seu case em um dos painéis, onde explicou que reproduziu um formato de um vídeo chinês que condensava histórias de 1h30 em apenas 2 minutos. Na época, estávamos no auge dos Short Videos, hoje estamos num mercado maduro, onde estratégias como esta se transformam em novas possibilidades de negócio.

A Globo, ao apostar nesse formato, está apenas traduzindo essa tendência global com sotaque brasileiro e isso faz todo sentido num país que sempre foi apaixonado por narrativa, melodrama e exagero. Agora em versão 1080×1920.

Novidade, será? Já vimos isso antes…

Transformar histórias longas em fragmentos que cabem na tela do celular não começou com as novelas.É o mesmo fenômeno que transformou podcasts em cortes, palestras em highlights e realities em compilados de 30 segundos. Não é apenas a falta de atenção, é outra forma de consumo.

As pessoas querem intensidade em pouco tempo, emoção em três minutos, conexão em um frame. O desafio pra quem cria conteúdo hoje é não ser profundo demais a ponto de não ser conciso e não ser conciso demais a ponto de não produzir um conteúdo relevante. – Um belo cenário para nós, criadores. (Contém ironia)

A Globo entendeu que a cultura da influência é, acima de tudo, uma cultura de micro-histórias e o marketing de influência já vem acompanhando essa mudança. Não basta ter um grande enredo, é preciso entregar bons recortes. No novo ecossistema da atenção, o corte virou unidade narrativa e quem domina o corte, domina a conversa.

ON e OFF não são mais opostos, são camadas da mesma história. O personagem que emociona na TV pode viralizar no TikTok, o criador que nasceu no digital pode protagonizar campanhas e novelas, e, no meio disso tudo, as marcas buscam o que sempre foi o motor da teledramaturgia: emoção, repetição e conexão.

Próximos passos que podemos acompanhar

1. Modelos híbridos de acesso e monetização

A Globo pretende adotar estratégias mistas: parte dos microdramas será disponibilizada de graça (nas redes sociais), enquanto outros episódios serão exclusivos para assinantes do Globoplay. Isso cria uma “degustação em camadas”, estimulando o público que quer mais a migrar para o serviço pago.

 2. Integração transmídia com novelas lineares

O primeiro microdrama, Tudo por uma Segunda Chance, terá 50 episódios de 2 a 3 minutos e será lançado de forma integrada à novela das sete, Dona de Mim. Personagens serão “ativados” nas redes sociais e sua trama será entrelaçada à novela principal. (Marvel, é você?) gshow+1

Esse tipo de cruzamento vai mostrar como a Globo pretende manter uma coerência narrativa entre o tradicional e o digital.

3. Experimentações criativas e independentes

A Globo já planeja que, além dos Estúdios Globo, produtoras independentes e obras licenciadas participem desse “trilho de microdramas”. Isso permite diversidade de vozes, formatos, narrativas, e também abre espaço para testes de linguagem mais ousados.

4. Formatos de marca e patrocínio contextualizados

Dentro dessa lógica de narrativa curta, a Globo promete apresentar novos formatos de inserção de marca, pensados para não romper com a imersão do storytelling. Mais sutis e mais nativos. É um terreno novo para publicitários e nativo para creators: inserir marcas em micro-histórias, sem que pareça merchandising óbvio.

“Para os anunciantes, é a oportunidade de estar presente em narrativas inovadoras, com alto poder de engajamento e distribuição multiplataforma”, destaca Manzar Feres, diretora de Negócios Integrados em Publicidade da Globo.

5. Expansão de formatos verticais em outros conteúdos

O movimento de microdramas provavelmente servirá de piloto para outras frentes da Globo, onde conteúdos curtos verticais já vêm crescendo. Se funcionar bem, essa lógica pode migrar para minisséries ou até formatos jornalísticos adaptados para vertical. Na minha opinião, isso aqui  já está até acontecendo através do GE TV.

De um lado, a Globo transforma o feed em canal. Do outro, os criadores transformam a própria vida em narrativa. Entre ficção e realidade, o que a gente consome hoje é o mesmo de sempre: histórias que nos fazem sentir algo.

Marina Rolim
Fundadora e Diretora Criativa Cena7
Marina Rolim é publicitária, especialista em marketing digital pela ESPM, criadora de conteúdo e professora de mídias digitais da pós graduação da Universidade de Fortaleza. Com quase 10 anos de experiência, vivenciou de perto a evolução do mercado de vídeos curtos, liderando o conteúdo de campanhas para marcas como Beach Park, RioMar Fortaleza e Iquine Tintas. Como fundadora e diretoria criativa da agência de conteúdo Cena7, Marina se destaca por criar narrativas impactantes e estratégicas para redes sociais, ajudando empresas regionais e nacionais a alcançarem seus objetivos por meio de vídeos criativos.