Sabe aquela maratona clássica de reuniões de orçamento e planejamento no fim de ano? Me peguei refletindo sobre esta cena outro dia. Existe um conforto sedutor nos números. Eles nos dão a sensação de controle, a promessa de que, se a fórmula estiver certa na planilha, o futuro estará garantido.
Vivemos a era da ditadura do dado. Aprendemos a repetir o mantra de que “contra dados não há argumentos”. Eu, no entanto, sinto que precisamos fazer uma pausa nessa certeza. Contra dados, há contexto. Há nuances. Há o invisível da natureza humana que nenhum algoritmo consegue capturar plenamente.
O perigo não está em usar os dados, seria irresponsável ignorá-los, mas em terceirizar nossa capacidade de sentir o mercado para eles. O dado é, por essência, um olhar para o retrovisor. Ele nos conta com precisão o que aconteceu ontem. Mas o dado não sonha. Ele não prevê a mudança que está acontecendo nas ruas, aquela conversa que ouvimos no café, o desejo que ainda não virou estatística.
Planejar o próximo ano baseando-se apenas no histórico é a receita perfeita para fazer “mais do mesmo”, apenas com um pouco mais de eficiência.
É aqui que entra o resgate da intuição ou o que gosto de chamar de repertório em ação. Não me refiro a um palpite aleatório, mas àquela inteligência silenciosa construída por anos de escuta ativa e observação.
Para equilibrar essa balança em 2026, proponho três reflexões para levarmos para a mesa de decisão:
1. O dado informa, a intuição direciona: A análise fria deve ser o nosso chão, a base segura para não cairmos no “achismo”. Mas a direção? Essa vem do instinto humano. As grandes rupturas não nascem de uma média ponderada, mas de líderes que tiveram a sensibilidade de olhar para os números e dizer: “O relatório diz X, mas o comportamento das pessoas aponta para Y”.
2. A coragem de apostar no invisível: Muitas vezes, usamos planilhas complexas como uma muleta emocional para evitar riscos. Se der errado, a culpa foi da projeção. Mas a conexão real com o mercado exige vulnerabilidade. Exige apostar em tendências que ainda são apenas sinais fracos, que exigem uma observação atenta do que não está sendo dito.
3. Humanizar a meta: Uma estratégia desenhada apenas com a lógica matemática pode ser financeiramente viável, mas culturalmente desastrosa. O feeling é necessário para calibrar se aquela meta agressiva vai motivar o time ou gerar exaustão; se aquela campanha “perfeita” tem alma ou é apenas ruído.
Ao traçar os planos para o próximo ciclo, convido vocês a fazerem um exercício de conexão. Olhem para as planilhas, sim. Estudem os relatórios. Mas, antes de dar a palavra final, fechem o computador por um instante.
Perguntem-se: “O que o meu repertório e minha sensibilidade dizem sobre isso?”. O futuro não pertence a quem tem mais dados, mas a quem consegue conectar os pontos que os dados não mostram. Em 2026, que tenhamos a inteligência dos números, mas a sabedoria dos nossos instintos.
