Muito tem se falado sobre a diversidade geracional. Outro dia, me peguei refletindo sobre como cada geração lida com sua própria forma de agir. Na minha geração, o lema era claro: “vai lá e faz”. Me lembro bem do impacto que o livro do Tiago Matos, que leva esse título, teve sobre mim. Era quase um guia. O imperativo era direto: agir, superar, conquistar.
Mas percebo que, para as novas gerações, o agir por si só não basta. Ele precisa vir carregado de sentido e propósito. A Nike captou esse espírito ao transformar seu clássico “Just Do It” em “Why Do It?”. Uma mudança sutil, mas profunda. Do comando à reflexão. Do externo ao interno. A marca entendeu que falar com jovens pressionados por redes sociais, comparação e medo de fracassar exige mais do que slogans de vitória. Pede sentido. Pede autenticidade.
Essa mudança não foi apenas criativa, estética, ela respondeu a uma necessidade real; nos últimos anos, a Nike viu sua liderança entre os jovens perder força. As vendas caíram. Concorrentes como Adidas e novas marcas esportivas avançaram. Pesquisas mostraram que, em muitas ocasiões, a Nike já não era a primeira escolha da Geração Z. O risco era claro: perder conexão com o público que molda tendências de consumo e cultura.
Aqui, vale destacar que esse fenômeno não se limita ao consumo. Ele reflete uma transformação mais ampla na sociedade. Essa reflexão não é apenas sobre marketing. Ela toca em um desafio que atravessa famílias, empresas e a própria sociedade: como criar pontes entre gerações sem que uma voz silencie a outra?
Vivemos uma era em que nunca houve tantas gerações compartilhando os mesmos espaços. Pessoas com mais de 60 anos já somam 33 milhões no Brasil, sustentam 76% dos lares e movimentam a chamada economia prateada, comparável ao PIB de grandes nações. Ao mesmo tempo, jovens das gerações Z e Alpha chegam ao mercado de trabalho nativos digitais, ansiosos por propósito e impacto.
E esse cenário só tende a se intensificar. Com o crescimento da longevidade, as pessoas permanecerão mais tempo ativas no mercado, economicamente produtivas e ocupando papéis de relevância nas empresas e na sociedade. Isso significa que a diversidade geracional será cada vez maior e mais complexa, tornando urgente o olhar das organizações para essa realidade.
Os dados mostram: diversidade geracional é um fato, mas a integração ainda é um desafio. O etarismo – o preconceito por idade – é uma realidade forte no mundo corporativo e pessoal. Expressões como “na minha época” ou estereótipos de que jovens são mimados e idosos são resistentes à mudança minam a colaboração. A comunicação se perde entre quem valoriza a conversa olho no olho e quem prefere o online. Valores entram em choque: estabilidade contra flexibilidade, lealdade contra propósito, hierarquia contra autonomia.
E aqui temos uma potência a ser explorada, é justamente desse choque que pode nascer a inovação. A diversidade etária não é um problema a ser resolvido. Quando os mais velhos compartilham experiência e sabedoria, e os mais jovens oferecem novas perspectivas e inquietações, todos ganham. Quando empresas enxergam a pluralidade de idades como ativo estratégico, tornam-se mais criativas, inclusivas e lucrativas.
Mas aqui cabe uma provocação. Ao buscar se reconectar com os jovens, a Nike não corre o risco de se desconectar das gerações anteriores? Baby Boomers, Geração X e até muitos Millennials cresceram sob a força do imperativo “apenas faça”. Para eles, o comando era sinônimo de coragem, superação e ação.
Talvez a resposta não esteja em escolher uma geração sobre a outra, mas em reconhecer que cada uma carrega seus próprios porquês. Assim como a Nike soube reinterpretar sua mensagem, também nós, líderes, gestores, profissionais somos chamados a decifrar os códigos da convivência intergeracional.
Não se trata de impor uma forma única de viver ou trabalhar, mas de criar pontes, cultivar escuta e transformar conflitos em aprendizado. Porque é na intersecção entre experiências e perspectivas que nasce a inovação. E só assim construiremos organizações, e uma sociedade, mais humanas, criativas e preparadas para o futuro.
