Se o que nos diferencia da inteligência artificial é a nossa humanidade, por que estamos vivendo cada vez menos como humanos?
Essa pergunta me acompanha há algum tempo. E ganhou ainda mais força neste mês, quando participei de um congresso repleto de conteúdos técnicos, como inovação, marketing, vendas, comunicação, tendências. Foram horas de aprendizado intenso. Mas, em meio a tanta informação, duas palestras me marcaram profundamente: Denise Fraga e Fernando Kimura.
O que havia em comum entre elas? Um chamado àquilo que sustenta qualquer relação humana ou experiência de marca: a urgência de resgatar o sentir.
Os insights foram tão valiosos que decidi compartilhar essa reflexão aqui, na coluna. Porque acredito que precisamos falar mais sobre isso, e, principalmente, sentir mais sobre isso.
A letargia do digital e o empobrecimento da escuta
Denise Fraga falou sobre como a tecnologia tem nos reformatado. Na pressa do dia a dia; reuniões, entregas, mensagens respondidas em segundos, áudios acelerados, sinto que estamos perdendo a habilidade de pausar, de escutar de verdade, de sentir.
Estamos mais informados, mas menos atentos. Mais conectados, mas menos presentes. Escutar virou um ato quase heroico. Olhar nos olhos, um exercício de resistência.
E aqui está uma contradição brutal do nosso tempo: a pressa e o automático nos impedem justamente de viver o novo, o inédito, que é a fonte de repertório. Se o grande diferencial humano é a criatividade, o sentir, a capacidade de se conectar, como conseguimos preservar isso em meio a tanta correria? Onde, entre prazos, entregas ágeis e respostas rápidas cabem os momentos de escuta, de respiro, de experiências inéditas que alimentam nossa imaginação? Sem esse espaço, nossa humanidade empobrece – e, junto com ela, a qualidade das conexões que construímos.
Eis a contradição central: queremos relações profundas, mas vivemos em estruturas que só premiam o raso e o urgente. Mas conexões humanas não nascem no “agora”; elas exigem demora, presença, paciência.
Mais do que isso: como vamos conseguir enxergar o extraordinário que existe no ordinário do dia a dia para que possamos proporcionar experiências marcantes para nossos clientes?
Repertório, vivência e a beleza do comum
Fernando Kimura trouxe a provocação: experiência é vivência. A criatividade nasce do repertório. E o repertório nasce da exposição àquilo que nos tira do óbvio, que nos obriga a sentir dor, empatia. E não há como perceber esse extraordinário na pressa, no automático. É preciso calma, presença e atenção para enxergar a beleza do que parece comum.
Essa fala me fez refletir sobre o quanto, no mundo dos negócios, ainda confundimos “entregar um serviço” com “gerar uma experiência”. Oferecer eficiência é esperado. Encantar é raro. A diferença está na capacidade de acrescentar essas camadas de poesia: um detalhe que surpreende, uma história que toca, uma vivência que cria memórias.
Kimura diz que “quanto maior o repertório, maior a criatividade”. Isso vale também para líderes e marcas: se nos alimentamos apenas do óbvio, criaremos experiências previsíveis. Mas se expandimos nosso olhar (na arte, na cultura, na beleza escondida na vida cotidiana) teremos repertório para gerar experiências únicas. Não é sobre luxo; é sobre poesia escondida em gestos simples, detalhes sutis.
Isso muda tudo no mundo dos negócios
Marcas que se concentram apenas em eficiência entregam produtos corretos, mas rasos. Líderes que não exercitam a presença podem ser ágeis, mas não inspiram. O cliente, no fim, é outro humano: e humanos não se conectam apenas por utilidade, mas por significado.
Vivemos uma contradição diária. Somos pressionados a acelerar, mas conexões verdadeiras exigem demora. Queremos experiências memoráveis, mas elas nascem de atenção, de repertório, de sensibilidade.
Se na última coluna falei sobre como a atenção virou moeda na nova economia, hoje me parece claro: só conquistaremos essa atenção quando ousarmos ser profundamente humanos. Porque, no fim, não é a tecnologia que ameaça nossa humanidade. Somos nós que estamos abrindo mão dela.