Por Simone Moura
A hipótese científica mais plausível para a origem da humanidade é que o Homo sapiens, ou homem moderno, surgiu na África há cerca de 200 mil anos. Os primeiros fósseis da espécie datam de 195.000 a 160.000 anos, uma época em que outros hominídeos ainda eram encontrados no planeta. Hoje os cientistas sabem com relativa precisão que o nosso planeta se formou há 4,5 bilhões de anos. Ou seja, somos uma espécie nova aprendendo a viver em um planeta que quando nasceu era pleno e completo. E, por causa de todos nós, vivemos agora em um mundo que ultrapassou a sua capacidade de suportar os desaforos que está enfrentando.
Convido você, leitor, a refletir sobre alguns cenários: Cada pessoa produz, em média, 343 quilos de lixo por ano no Brasil. No total, cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos. Segundo a última pesquisa Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023, o país gerou 45 mil toneladas de resíduos de construção civil e demolição (RCD), só em 2022. O Brasil está no 5º lugar mundial de maiores produtores de lixo do planeta, sendo os Estados Unidos o maior produtor de resíduos do mundo. Os números previstos pelo Banco Mundial são alarmantes: se não forem tomadas medidas imediatas, até 2050, o lixo global terá aumentado 70% em comparação com os níveis atuais. Todos os dias de 2023 foram pelo menos 1 grau Celsius mais quentes do que a temperatura média global calculada entre 1850 e 1900. Cientistas da União Europeia dizem que 2023 foi provavelmente o ano mais quente em 125 mil anos.
O índice de perda de água no Brasil é 38,1% nacionais. Quanto ao tratamento de esgoto, cerca de 52% são tratados, apenas. E olha que, como república federativa, temos 134 anos de idade. O Brasil desperdiça cerca de 30% dos alimentos produzidos no país. Este desperdício ocorre em várias etapas da cadeia de produção, distribuição e consumo, incluindo a colheita, o transporte, o armazenamento, o varejo e o consumo. E, em média, cada brasileiro desperdiça 41,6 kg de alimentos por ano, o que coloca o Brasil entre os 10 países que mais desperdiçam alimentos no mundo. E, mesmo assim, no ano de 2023, 8,7 milhões de pessoas no Brasil enfrentaram insegurança alimentar grave, o que representa 4,1% da população.
Do outro lado dessa equação desafiadora que o mundo enfrenta e, sobretudo, as organizações, falamos diariamente sobre a necessidade de consumirmos de maneira mais inteligente. Mas vamos lá: O consumo inteligente, ou consumo consciente, é uma prática que consiste em repensar os hábitos de consumo para promover um estilo de vida mais sustentável e equilibrado. O objetivo é consumir de forma responsável, considerando o impacto positivo ou negativo que as escolhas têm no meio ambiente, na economia e na sociedade.
Isso significa que, ao consumir de forma consciente, as pessoas:
- – Procuram adquirir produtos que foram produzidos com respeito ao meio ambiente, ou seja, buscam empresas que valorizam esse tipo de consumo e não fazem greenwhasing;
- – Priorizam a qualidade e a durabilidade dos produtos e evitam o desperdício e o consumo excessivo;
- – Buscam alternativas mais sustentáveis para as suas necessidades cotidianas.
Dentre tantos outros fatores, tais como:
- – Montar um planejamento de compras;
- – Reutilizar quando for possível;
- – Entender o que é desejo e o que é necessidade;
- – Evitar desperdiçar alimentos.
Consumo consciente é portanto, uma nova postura individual quanto uma preocupação coletiva e sistêmica, que depende de pessoas, empresas e governos. O tema do consumo consciente no Brasil e no mundo inclusive é uma das prioridades, por exemplo, da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU) — e que traz, com esse, 17 objetivos para o planeta. No Brasil, o Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis, do Ministério do Meio Ambiente, é responsável por estimular as práticas sustentáveis previstas pela ONU. E isso não é conversa mole, é papo sério e deve fazer parte da agenda de todos.
Os brasileiros, principalmente os que fazem parte das gerações Y, Z – os nativos digitais influentes – junto a outras pessoas, no impacto da formação de novos comportamentos e com juízo e propósito, têm militado nessa causa.
Um estudo recente da Nielsen revelou que:
- – 30% dos entrevistados estão atentos aos ingredientes que compõem os produtos;
- – 58% não compram produtos de empresas que realizam testes em animais;
- 65% não compram de empresas associadas ao trabalho escravo.
Mas não é só o Brasil que adere a esse movimento de adoção. Uma pesquisa de comportamento do consumidor da Deloitte, em 2021, revelou também, como tendência global, que os consumidores estão cada vez mais tomando decisões conscientes com a sustentabilidade e o meio ambiente em mente. Mais especificamente, essa pesquisa descobriu que 61% das pessoas tentaram ativamente reduzir o uso de plástico de uso único no último ano.
E essa era a ação mais comum que os indivíduos estavam realizando em uma tentativa de viver de forma mais sustentável. Outra importante estatística é que um em cada três consumidores parou de comprar em marcas por motivos éticos ou de sustentabilidade.
E o mundo dos negócios também percebe esse caminho. De acordo com o relatório “Twenty Years of Ethical Consumerism”, o tamanho dos mercados de consumo ético no Reino Unido cresceu de £ 11,2 bilhões em 1999 para £ 122 bilhões em 2020, por exemplo.
O fato é que, ainda que estejamos testemunhando iniciativas, nem de longe é suficiente. A leitura que se deve fazer é que, desde a revolução industrial, estamos acostumados a viver no nosso mundinho capitalista e individualista. O problema do outro não é meu. E o que vale é vender produtos, tirar da natureza sem devolver, não se importar com a escassez do vizinho – afinal, o que vale é o meu conforto, o meu dinheiro, as minhas riquezas. Mas o planeta terra não é mais problema de uma autoridade superior que controla tudo. O mundo não aguenta mais ser machucado pois suas reservas já não são suficientes para sustentar a humanidade de maneira equilibrada. Não há mais tempo.
Uma forma de lidarmos com essa urgência é reeducar as pessoas (e não espere esse movimento vir de governos ou de escolas). Esse é um movimento que nasce na reeducação do indivíduo e é um ótimo momento de as empresas inclusive deixarem de pregar propósito de marca bonito na parede e tomar para si uma causa verdadeira e autêntica – “de dentro pra fora”. Tangibilizar o propósito de suas organizações como uma grande onda de movimento de marca para transformar toda uma cadeia produtiva. Ensinar suas pessoas a viverem melhor, com mais consciência para que estas possam ensinar tantas outras.
Mudar a forma que vivemos requer construir novas sinapses, fazer nosso cérebro aprender coisas novas. Esse é segredo. E não precisa criar programas de excelência que, em sua maioria, são tão complexos e chatos que não existe engajamento. Mas provar que nas pequenas coisas, como adotar um copo, reaproveitar cascas de alimentos, separar o lixo, reaproveitar a agua dos aparelhos de ar condicionado, não imprimir mais nenhum papel e falar “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite” e “muito obrigado” para todos, incluindo o pessoal da limpeza, também é ser um ser humano consciente e inteligente em seu papel de gestor de uma empresa.