A subsidiária da ianque Meta, WhatsApp, apresentou em seu blog novas features do aplicativo de mensagens instantâneas mais popular no Brasil. Já detalhado em Meio & Mensagem (M&M), sem necessidade de destaque em Nosso UX, a privacidade dos “usuários” foi o frame inferido. Dois pontos destacam atenção nos argumentos da reportagem veiculada: a constância da mimese face a face às novas funcionalidades e o deslumbre da escuta centrada em si.
Exemplifico com um recorte da postagem no blog oficial do WhatsApp, seguida pela tese do jornal de Publicidade M&M: “Acreditamos que as mensagens e ligações devem ser sempre seguras e particulares, assim como as conversas presenciais.”; seguido por M&M, “sinaliza uma preocupação maior da Meta em ouvir”. A matéria foi intitulada de “Privacidade e UX”. Atenho-me ao último ponto.
O trabalho de UX não é um ofício de livre escuta como fim, não, ao espreito latino. A procura é o arremate. Experiência diz da opinião pública, dos vínculos em esferas qualitativas de grupos. Ouvir “usuários” não é método, sim, objeto discursivo das marcas. Faz sentido à pesquisa, quando aplicado aos vínculos de interação, seio da opinião pública. As demandas de maior privacidade não retratam uma mudança do comportamento do “usuário”, ou, de um coletivo destes. Sobretudo, diz dos litígios que os atores em grupos figuram aos reclames da rua. Nisso, nasce uma distinção entre escuta, ato de acatar, e pesquisa, procedimento de procurar. Problematizo, distinguindo forma e conteúdo na consolidação da técnica como memória social.
Há uma cinca na ideologia da centralidade do “usuário”: a obstinação adstrita da escuta. Escutar significa atentar, ouvir, atender, perceber, sentir, sobretudo, acatar. Pesquisar traduz-se em estudo, exame, investigação, averiguação, busca, cata, diligência, especulação, exploração. Também; inculcar, indagar, inquirir, pescar, e o mais relevante: procurar. O pesquisador de experiência, sendo desenhista, escritor ou colaborando com ambos, escuta não para acatar relatos. Mormente, para buscar a forma do conteúdo. Pesquisar, assim, é procurar. Não, um se ater à escuta situada em si. Quem escuta, limita-se ao conteúdo. Quem examina, busca na forma o encaixe do sentido técnico do conteúdo. No “discovery”, parece coerente considerar que o ato em si é o da procura, a escuta é um dos meios e não fim. Descobrir requer procurar, pesquisar na técnica significados a forma do agir dos atores, interminavelmente, dito “usuário”. Escutar, sem instrumentárias de análise da empírica busca é armadilha para o simples acatar. Acatar é antônimo de procurar, de pesquisar. Firmas não são sindicatos que acatam demandas, nascem para “destruição criativa”, sobrevivem pela inovação, requerido pela pesquisa no núcleo do business.
A forma do conteúdo nasce da técnica que é plural. A tecnologia é retrato da história e da consciência da condução da forma técnica. Importa à forma, o “como”, sua consciência interativa do conteúdo, o “o que”. Profissionais da experiência são atores que figuram a memória, em curso, do desenho da tela ou da voz. Em um aplicativo móvel, estes esclarecem “o que está acontecendo” e o “como fazer” da ação. Pelos comandos de voz, criam fluxos de perguntas e respostas na busca da intitulada “inteligência artificial”. Liturgiam o ato do clique ou da pergunta à máquina. Semeiam a aderência da opinião pública, pela funcionalidade inventiva da técnica à sombra histórico-tecnológica. Os trabalhadores da experiência, portanto, são procuradores, não ouvidores.
Forma é a semelhança que aboca designs, jornalistas e publicitários no fazimento do conteúdo. O desenhista é o tido criativo. O ombudsman é a dita voz do leitor, o repórter, feito tradutor. Mídia, visto pesquisador do consumo; atendimento, crido a voz do cliente e o redator é o suposto dono do estalo. Estes, profissionais da experiência, são procuradores de vínculos. Feitores da memória social em configuração. Firmam, os três publicistas, elos que exprimem a forma de ver o mundo experienciado. Experiência enquanto quadros organizativos da memória social. Experiência que requer o ato de pesquisar pela observação, vivência, interação e forma de manuseio da tecnologia.
A demanda por privacidade se compõe na esfera pública pela representação da forma e conteúdo, materializada na técnica. Na história da tecnologia, podem ser vistas como um retrato de vínculos que constituem a memória social. Sob esta óptica, não basta “escutar”, há de se “procurar” nos instrumentos de observação e experimentação no ato interativo da pesquisa. O discurso do ouvir, assim, é Publicidade, se não for atido com ferramentas complementares de análise, cinca para profissionalização dos ofícios de experiência.
Fernando Nobre
Cientista da mídia e etnógrafo de produtos digitais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia.Possui mais de dez anos de experiência em pesquisa e oito anos em docência. Inventor do software Qualichat, desenvolvido em seu pós-doutoramento na UNICAMP, entre 2020 e 2022. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública