A Experiência Oxítona

Por Kochav Koren

26/09/2022 09h49

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Quaisquer esforços para categorizar a ação do usuário in persona são proparoxítonos. Só é real para quem o atenta. Figuras é o exercício do arranjo ex aequo ritualístico – põe-se urgente ao ofício de “experiência”. Especula-se, de 2022 a 2028, um crescimento exponencial de softwares factótuns na análise de dados qualitativos. Defende-se o argumento de incrementar às funcionalidades técnicas, que tangibilizam a “experiência” de produtos digitais, laivos regionais para uma competitividade globalmente inclusiva.

 

A percepção é atestada em um relatório produzido por Skyline Market Research LLP, divulgada em New Origins, site jornalístico da indústria financeira. Confirma a liderança de algum dos atores que fornecem ferramentas de análise qualitativas, entre tantos, Atlas.ti e o mais popularizado no UX, Dovetail. Questionei no dia 14 de setembro, em e-mail trocado, o percentual exato do crescimento declarado; a informação negada custaria 2.900 dólares estadunidenses. Não paguei. 

 

Nesta crônica, a pormenor codificação utilizada no UX para cruzamento qualiquantitativa não será tratada, menos ainda, o papel destes atores techs. Aponto, sem embargo, um retalho pouco debatido nesta intercessão: a necessidade de se empregar estratégias que fomentem o domínio humano na agência analítica de tais dados. Ratifico a primazia das pessoas pesquisadoras e cientistas na humanização e aperfeiçoamento qualitativo no UX.

 

Recorro, para isto, ao uso de categorias quali pelo exercício de “figuras” – símiles do “dar mostras” na “jornada” de produto. Cumpro, assim, a promessa após última intervenção em Nosso Meio que aventou o dever de considerar na pesquisa de experiência o movimento do “estar no uso” do ator-usuário – aferível, somente, pelo ente humano que pesquisa.

 

Desde as contribuições hermenêuticas de Alfred Schutz (1899-1959), bancário (jurista), cientista e negligenciado no Human–computer interaction (HCI), o entendimento do mestre de seu mestre, Brentano (1838-1917), de que todo pensamento tem um caráter intencional, passou a ser notado. A proposta vê na cognição humana, que a “consciência” é sempre consciente de, de algo.

 

Esta tese muda radicalmente a percepção de que a pessoa humana “faz por fazer”, ou, no que é popularmente mais crítico, “faz sem referência a”. A síntese que exponho, longe de uma retórica científica, permite provocar em Schutz, sem detalhar os pontos de crítica com seu mestre Husserl (1859-938), um elemento urgente ao UX: a noção de que um ator está sempre em ação e “empresta aos seus atos” o significado da realidade. Rompe a ideia de crer em uma realidade em que ação da pessoa humana é social. Os fatos não são fatos de per se, são construtos de um ator em ação que sempre interpreta e vê no fato a significação do que existe para si como fato.

 

O que digo é: O botão “compre agora” é real, não porque um determinado ator-usuário o vê como uma convenção preestabelecida que o situa como um fato. “Compre agora” é real porque este ator-usuário, um somatório destes, o cronista, o leitor e todos os que estabelecem o botão como “real” estão sendo significados pelo “ator-usuário” como algo. Este ponto implica em que não há uma modalidade ideal de desenho para o “compre agora”, mas um talhe que será conectado com construtos e representações subjetivas.

 

Estas, pela potência humana, são organizadas em quadros-esquemas (schemata), não cristalizadas, tornando, assim, o “fato” de haver uma maneira ideal do “compre agora” inexistente. A demanda pelo feitio ideal é proparoxítona. Oxítono é apurar rastros interativos interconectados que o utilizador empresta ao construir schematas, quadros de representação figuráveis (pelo ator-utilizador e pelo ator-pesquisador).

 

Proponho pensar que o usuário é um “ator” que figura em um aplicativo, tal qual a pessoa humana que o investiga; figurar no tocante do representar, apresentar, fingir, supor imaginariamente, demostrar, atuar e aparecer. Sua ação de uso não representa um somatório de dados a ser considerado como real, mas constitui um esquema que se apresenta a ele, ou seja, apresentacional – composto por ligações de sentidos. A pergunta-chave surge: – sobre que apresentações um ato investigado/construído se associa? 

 

Tento responder, voltando ao conceito de Sinnzusammenhang, de Schutz, que tomo emprestado, utilizando a dicção “conexão de sentido” (em inglês por Schutz como meaning-context) traduzido por Dr. Michael Hanke, meu eviterno catedrático, protagonista provocador desta crônica.

 

Em uma jornada de “ator-usuário” em um app, o “botão” é um signo “responsível” de ação, digo, é associável contextualmente. Exprime uma relação entre o sistema de signos de quem o faz e de quem o clica. Nas “entrevistas em profundidade” com os intitulados “usuários”, procura-se – ainda vejo assim – categorizar os sentidos subjetivos de pessoas (personas), que, pelos relatos, são coletados pelos profissionais de pesquisa, UX researchers.

 

Faz-se bem, na era do customer centricity propagado pelo HCI, valorar estabelecidos métodos qualitativos. São esquecidos os “enquadres” figurativos provocados aqui.

 

Limita-se não avançar, ao cristaliza-se na ideia de construir um fato ideal, um requisito real. O mencionado botão call-to-action (CTA), inteligivelmente nomeado em sua literacia pelos ianques, como já visto, constitui uma “conexão de sentido”. O botão “clique aqui” permeia uma dimensão “ocasional” ou “contextual”.

 

O “ator-usuário”, ao figurar como entrevistado em um teste de usabilidade (a exemplo, os executados pela plataforma Maze) ou atestar “validações” nas entrevistas qualitativas, reenquadra pelo discurso o uso de sua ação à memória do clique no CTA. No método e na ferramenta metodológica supracitada, reenquadra-se, pela coleta de relato ou simulado pela ação figurativa dos testes de usabilidade, um passado de utilização. Pela memória, na coleta do discurso, demanda-se a “realidade”, um fato.

 

Por “entrevistas com utilizadores”, perdem-se, todavia, os frames que compõem a “realidade” da ação – resgatada. Abafa-se o uso, in loco, de uma pessoa que age em seu “estar” representacional. Apura-se a significação da significação, distante da in loco? Falo com Hanke, do “uso agora, aqui, neste contexto”.

 

Personas é uma caixa distante da ocasião e do acontecimento, facilmente, o método poderá ser automatizável, escalonável, não nunca referente ao ritual da apresentação. A questão “o que está acontecendo aqui?” – frames do “estar” experienciado agora – e, sobretudo,“já nos conhecemos?” – frames da pré-experiência, como sugere Dr. Hanke ao explicar Sinnzusammenhang; não é vista.

 

Estas instâncias, de fato, são passíveis de estar contidas em um roteiro de entrevistas, porém, se faz relevante evidenciar que, no ato figurativo do “ator-entrevistado”, o relato é um componente simbólico, não naturalizado. Urge, assim, a reflexão sobre novas ferramentas para coleta de um Gegebenheit (dado) na “pesquisa de experiência”, especialmente, quando esta considera as “conexões de sentido” de uma jornada interativa representacional. 

 

Ora, ratifico o império da humanização do UX, justo ampliando os corpora qualitativos protagonizados pelo “ator-pesquisador”. Somente o pesquisador humano apura o sistema sígnico pré-experenciado. Situo em igual posição de entendimento da realidade a noção do “ator-pesquisador” que figura na procura das figurações do “ator-usuário”.

 

O “o que está acontecendo aqui?” e “já nos conhecemos?” é oxítono à pesquisa do “estar em uso”, arranco para construção de figuras de interação. Creio que este esforço de pesquisa está alinhado ao desenvolvimento dos ofícios UX, não pela demanda do padrão ideal, mas pela apresentaçom em enquadramento relevante das figuras de interação. Concentrar-me-ei nisto em próximas contribuições em Nosso Meio. 

 

Fernando Nobre

Cientista da mídia e etnógrafo de produtos digitais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública

fernando@ernestmanheim.com.br | @noblecavalcante

Kochav Nobre
Auditor de pesquisa na Ernest & Young
Kochav Nobre é auditor em pesquisa na Ernst & Young (EY). Professor designado na Universidade do Estado de Minas Gerais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia.Possui mais de dez anos de experiência em pesquisa e oito anos em docência. Inventor do software Qualichat, desenvolvido em seu pós-doutoramento na UNICAMP, entre 2020 e 2022. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública.