Inicia-se uma nova série de croniquetas, alusivas à experiência vivida pelo autor em jornadas de utilização pessoal de aplicações. Refere-se ao período em que atuei como gerente de pesquisa numa startup do BB Seguridade. Trata-se do Diário de Experiência, uma metodologia que constrói casos de uso a partir de um roteiro pré-estruturado das vivências in loco de aplicações.
O método articula as aplicações de Erving Goffman sobre os quadros gerais da experiência, vividos em ancoragens (anchorages), aquisições de jogos e inícios de temporalidades que moldam as ações; tons (key/keying), ritmos das ações relacionados aos tipos de funcionalidade em uso, que modulam os tons da jornada; laminações (laminations), preparação para o ato de pressionar o botão, em sua ginga gestual; e fabricações (gabrications), encenações que simulam atos e criam aparências.
O planeamento estratégico de UX Research que delineei, estruturado em oito estádios — Cenários, Objetivos, Alcance, Consciência, Tática, Execução, Aprendizagem e Interiorização —, oferece um pilar metodológica rerum novarum, conectando os fundamentos situacionais da experiência à transformação contínua da organização. Contudo, reconheço que a observação empírica do comportamento do utilizador exige instrumentos de análise aptos a captar as nuances da ação no seu devir.
Neste contexto, a teoria dos quadros de Erving Goffman revela-se um arcabouço interpretativo particularmente fecundo. Goffman concebe a vida social como uma tessitura de quadros (frames) que organizam a percepção e a ação. As situações vividas pelos utilizadores — desde o início de uma compra até à interação com jogos ou sistemas — não se esgotam nas suas descrições objetivas: são moldadas por processos de ancoragem, modulações de tons, ritmos de ação, laminações de experiências simultâneas e maquinações que fabricam a aparência de domínio ou naturalidade.
Ao integrar estas categorias goffmanianas às particularitas loquendi de UX Research, transito da simples descrição do que acontece para a compreensão do como acontece e com que sentido se releva. Esta abordagem fenomenológico-interpretativa permite esmiuçar práticas tácitas, ajustes improvisados (ginga) e encenações que marcam a interação do utilizador com produtos e serviços.
Novissima verba, para cada uma das oito estádios do meu planeamento, propus um checklist específico, orientado pelos conceitos de Erving Goffman (1974). Estas remansam fundamentais operam como guias para a análise etnográfica da experiência, ampliando a minha capacidade de captar tanto as estruturas de relevância que sustentam a ação como as microdinâmicas que a atravessam.
Exprimo sob relatório, o checklist do Diário da Experiência, que visa promulgar questões de usabilidade no inquérito de uma experiência a partir da óptica do dispositivo midiático.
Checklist do Diário de Experiência
- I. Cenários (O quê?) — Quadros e Ancoragens
- • Quais quadros (frames) estruturam a experiência?
- • Quais ancoragens (anchorages) reforçam o sentido dos quadros?
- • Há rupturas ou ambiguidades perceptíveis nos quadros
- • Quais objetos ou interações confirmam a orientação do usuário?
- II. Objetivos (Por quê?) — Tons e Keyings
- • Que tons (key/keying) predominam nas ações?
- • Há mudanças súbitas de keying? Em que momentos?
- • Os objetivos percebidos se alinham ao tom vivido?
- • Como o tom afeta a priorização de objetivos?
- III. Alcance (Quanto?) — Ritmos de Ação
- • Qual o ritmo dominante das interações (fluidez, hesitação, aceleração)?
- • Há ciclos ou padrões rítmicos recorrentes?
- • Que funcionalidades alteram significativamente o ritmo?
- • O ritmo influencia a percepção de sucesso?
- IV. Consciência (Quem?) — Laminações e Papéis
- • Que papéis sociais os usuários assumem?
- • Existem laminações (ações simultâneas) na experiência?
- • Como os usuários interpretam a sobreposição de camadas?
- • Há colapsos ou transições abruptas entre laminações?
- V. Tática (Qual?) — Preparação e Ginga
- • Há preparação consciente antes de ações decisivas?
- • A improvisação (ginga) é visível diante de obstáculos?
- • Que estratégias alternativas emergem espontaneamente?
- • A preparação é ritualizada ou intuitiva?
- VI. Execução (Quando?) — Ato Performático e Ritmo
- • A execução das ações é ritualizada ou espontânea?
- • Existem variações claras de ritmo na execução?
- • Quais eventos provocam mudanças de fluxo?
- • O ritmo vivido diverge do ritmo projetado?
- VII. Aprendizagem (Então?) — Maquinações e Simulações
- • Os usuários simulam domínio para ocultar dúvidas?
- • Existem “fabricações” ou disfarces nas ações?
- • Como ocorre o aprendizado por imitação ou gambiarra?
- • A prática social molda o aprendizado informal?
- VIII. Interiorizar (Onde?) — Quadros Reforçados e Melhoria
- • Quais quadros são internalizados como naturais?
- • Há sinais de automatização na experiência?
- • Que ancoragens tornam-se parte da prática habitual?
- • A experiência mostra ciclos de retroalimentação contínua?