Habitu: Disfarçado

Por Kochav Koren

08/08/2023 08h06

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Jamais haverá limites para as maquinações técnicas. Todas travestem-se. Verso sobre a Figura que concerne fabrications em frames únicos. Tais dispositivos midiáticos dissimulam o áudio transviado em vídeo, visto pela noticiosa funcionalidade lançada pelo WhatsApp. Robusta é a figura à qual reclamo: Habitu.

Não substancio a teoria de Bourdieu, muito se lê sobre poder simbólico. Habitus, sua raiz, é particípio passado de habeo, o que possui caráter mantido como sentido próprio, referindo-se ao ato de possuir, ocupar, tomar posse e guardar. Em sentido figurado, provoca-se a ideia de algo bem tratado, lustroso e corpulento. Entrementes é quem reluz, brilha, assim, o lustroso, o luzente e o lúzio. Há também um sentido original que conduz a croniqueta sem renunciar ao tom dos símiles de Nosso UX. O Disfarçado. A disfarçada. E disfarçade

O teor da sétima Figura enaltece a Gestalt das maquinações dos encontros da esquina. Aplicada a um workshop de Design Thinking (DT), em Habitu vejo analogias de InversaEffeminaDeliciarum, tal Muliebris. A Figura do Disfarçado é aquela que se torna menos ou nada visível em uma interação que ocorre na mídia. O encoberto, o tapado e o oculto. Não demonstra seu volume, esconde seu tamanho, dissimula o credo e altera a voz. Sabem bem os moços de Pedra Rachada.

Os inaugurei in persona nos memoráveis carnavais de Paracuru. Ah, os carnavais de Paracuru dissimulados de Barro Preto, Icaraí, Morro Branco: era um mela-mela não “gourmetizado”! Pura alegria, zanzibar, sim “o azul da Estrela”, de Kochav, como cantam A cor do som em “Transe total” de 1980. Vejo em Habitu a Figura dos meninos que se travestiam como meninas, tantos carnavais, sabem John e PH, enquanto me faziam companhia. Éramos compadres e comadres. Todes: Júllio, Biel, Almyr e Valber. Coisa do passado! O povo sabia, sempre surgia um díscolo. Dudu figurava igualmente disfarçado, quiçá nem lembro. Liandro saberá. Recordo sua sombrinha. Figurávamo-nos ao entretom dos Disfarçados. No tempo corrente, há quem pratique em ambiente midiático, moral ou amoral. Relatei em Diário de Mídia na revista da UFSC Habitus, plural, são as Figuras que alteram o tempo, modificam o sentido e mudam o tom, por vezes, a voz. Dissimulam os símbolos tidos como estáticos, escondem o falo, mascaram as vestes, ocultam, como já notório, o poder. Fantasiam-se aqueles que seguem a Figura Habitu. Ao tapar a funcionalidade técnica, encobre os discoveriesdas features, esconde ou deixa esconder as regras de negócio do PM. Opera o fingimento, o embuço, a medácia. Habitu é mestre em ocultação e simulação. Goffman, em 1974, outrora citado nas croniquetas primeiras, fora seu cientista. Levantara a questão de quantas maquinações seriam capazes de tornar uma conversação mais próxima do “real”. Sobretudo, considerando a pessoa humana não-humanoide, ao facear um diálogo, salientou a busca constantes elogios. 

Haveria limites para a fabricação? Ante tabus, parece não haver. O sociólogo defende: “É exatamente esse tipo de frouxidão estrutural das faixas reais da atividade rotineira que as transforma em algo diferente de um ritual e torna a pré-fabricação extensiva algo necessariamente precário e problemático, algo que funciona melhor na ficção do que na realidade”. Conta na página 617, na tradução de Gentil Titton para Vozes na edição em português de 2012, no último parágrafo.

As prefabrications, utilizadas no original por Goffman, são os elementos anunciadores das maquinações quando estas ocorrem. A Figura Habitu é catedrática nesta habilidade. Simulam ao ponto de utilizar o antônimo que a possui em uma fabricação: mostram, destacam, exibem, escancaram. A definição par excellence é ser transformista de quadros, travesti de frames. Ritual, tal religião. Kochav, a estrela de Paracuru, sabe disso e o faz. Quantas transformações de quadro podem ser anunciadas pelas pré-maquinações? Considero-as, em um workshop de DT, no seguinte esquema. Explico esta Gestalt, tomando os símiles da Capoeira como, todavia, reclamado.

Em uma sessão de “quebra-gelo” durante uma última cocriação de auditoria na Ernst & Young, firmou-se que o desvio padrão da incidência das funcionalidades comparadas seria decisivo na categorização do ator-usuário Habitu.

Ritmo (Keys/keyings): O tipo de recurso técnico utilizado pelo participante é decisivo. Quanto mais recursos (voz, texto, imagem, post-it) forem utilizados, maior será a chance de constar a Figura do Disfarçado. Sua incidência negativa também o revela.

Ginga (Laminations): Se a Figura é aquela que possui a maior ocorrência em ser pioneira na tomada de “cards” (mimese dos post-its), tenderá a estar Habitu. Tal constância no uso de vocativos e nas posições de estar continuamente à mostra (câmera ligada) também aponta para isso. Se o oposto ocorrer, atesta estar encoberto, entrementes, em adição ao Disfarçado.

Compra de jogo (Anchorages): Muito silêncio ou muita constância de conversacional faz valer o Habitu

Mandinga (Fabrications): O Disfarçado domina as puras fabricações. Em um “quebra-gelo”, ou dinâmica similar de DT, é aquele que mais mostra os atos de pré-maquinações. O que digo é: a figura é quem mais escolhe símbolos, recursos de interação ou rompimentos do ato de revelar, do sentido próprio de habeo (do possuir, ocupar, tomar posse da câmera, áudio ou tato).

Não há política que desencubra o encoberto. Disfarçar-se é o seu grito do “Only you” de Zanzibar. Retomo a música de Paracuru, do “Alá, meu only you…”, para firmar o H’ssem de Kochav, “…no azul da estrela”.

Fernando Koren Nobre

Cientista da mídia e etnógrafo de produtos digitais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia. Possui mais de dez anos de experiência em pesquisa e oito anos em docência. Inventor do software Qualichat, desenvolvido em seu pós-doutoramento na UNICAMP, entre 2020 e 2022. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública.

Kochav Nobre
Auditor de pesquisa na Ernest & Young
Kochav Nobre é auditor em pesquisa na Ernst & Young (EY). Professor designado na Universidade do Estado de Minas Gerais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia.Possui mais de dez anos de experiência em pesquisa e oito anos em docência. Inventor do software Qualichat, desenvolvido em seu pós-doutoramento na UNICAMP, entre 2020 e 2022. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública.