Speculator: Olho Mágico

Por Kochav Koren

04/09/2023 16h54

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Três anos em São Paulo se aprontarão, e uma decisão estou prestes a tomar. Enfastiei de não ter vizinhos especuladores. Na rua em que cresci, na Parquelândia, cada vizinho era uma figura. Raros ainda existem. Foram dois episódios os mais significativos do meu estranhamento à rua. A saída da vizinha Cocóia e do Seu Maranhão, marido da Dona Margarida. Sempre me perguntei qual o motivo de não chamarmos de Dona Cocóia. Cocóia e Maranhão eram figuras que se completavam como sol e lua. Sol, a primeira, lua o segundo. Explico.

Cocóia era uma figura especuladora. Sua rotina ocorria antes do pôr do sol. Cocóia mobilizava a ancoragem primária da rua: “a hora da fofoca chegou!”. Antes que a lua dominasse, Seu Maranhão espreitava a rua por seu conhecido dispositivo: o olho-mágico. O olho-mágico foi uma das maiores invenções humanas. De fato, ambas as figuras exploradoras tangiam suas habilidades de espreita em sentidos distintos. Cocóia não possuía o dispositivo que Seu Maranhão havia inaugurado para a Copa de 1994, vitória do Brasil sobre a Itália. Reclamo da figura Olho-Mágico, entrementes, no sentido de prima escuta e débil visão. Antes, um olhar à história das funcionalidades.

Os vizinhos da Parquelândia jamais conheceram Robert Williams Wood. Físico e inventor ianque que fez experimentos originais com a luz. Foi mestre em maquinar luzes: infravermelha, ultravioleta, visível e inclusive invisível. Nascera em 1868, em uma cidade chamada Concord, Massachusetts. Aluno de Harvard, MIT, Chicago e Berlim. Dr. Wood, em 1901, tornara-se professor de física experimental na Johns Hopkins, onde permanecera até sua morte, em 1955. Criou o “vidro de Wood”, que é um tipo de vidro que bloqueia a luz visível e deixa passar apenas a luz ultravioleta. Com esse vidro, o físico criara a lâmpada de Wood, que produz luz ultravioleta e pode revelar coisas que não vemos a olho nu, como marcas secretas ou manchas de sangue. Sua invenção permitira a resolução de crimes, como o caso da menina Isabella Nardoni.

O que mais aproxima Seu Maranhão de Dr. Wood é, sine dubio, sua primorosa invenção derradeira: o “magic eye”, o “olho-mágico” ou “olho de peixe”, que é uma lente que faz as imagens ficarem distorcidas e chistosas. O mercado aprimorou-o para uso em segurança privada, nas portas das casas. Quem o possuía nos anos de 1990 estava seguro. Tal discurso insistente e corrente da empresa de segurança Verisure. Há quem enriqueceu no Ceará com similitudes.

Cocóia não valorizara essa tecnologia, sua audição dizia mais do que a debilidade ocular do meu vizinho da frente. Preferia as atalaias, frequentemente usadas para fins de segurança, como a detecção de contrários. Para esta senhora vizinha, uma precaução de territórios. Sua audição era a maior feature. A estratégia era fingir ser mouca. Era o sol da lua de Maranhão, este com visão bacenta, usava a invenção de Wood para evitar o baço, o embaçado. Aquela, firmava o sorriso de quem não “ouvia”: “como? – ré, ré”, ansiava por mais insumos para as rodas da rua. Fugiam, ambos, da rua embaciada ou empanada. Jamais poderiam os vizinhos estarem indiferentes, insensíveis ou impassíveis ante os acontecimentos da esquina. Era uma rua de velhas novidades, antítese da que atualmente resido.

A Figura Speculator diz sobre ser Observador, Espião, Batedor, Explorador; “a quem tem vista em”. “Estar de observação de um lugar alto”, estar com olhos ou ouvidos em. É a figura especialista em espiar conversas. Não só: atalaiar, espreitar, observar e vigiar. Outrossim, assemelho-me quando estou em um transporte público. Em distintas tonalizações, keyings, figuro um segundo sentido, o do olhar: contemplar, observar e ver. Ouvir jamais seria possível. Nos vagões de trem da CPTM resta à forma a cinca da escuta. Sou o maior Speculator de conversas alheias em cada porção ferroviária. Salve, Ferrim, na série C! Salve o futebol do Ceará! Mudo a face quando um tanto observa o atalaio. Por vezes, vágados já me tomaram de tamanha especulação. Oxalá, H’ssem, fujo da fofoca!

Os vizinhos da Moares Correia agiam de maneira semelhante aos usuários-atores de aplicativos de chat de bancos. Remeto que os operadores patronais dessas conversas são insensíveis a um fato cientificamente comprovado. Em média, leva-se 200 milissegundos para começar a responder a uma pergunta – o equivalente à velocidade de uma única piscadela de olho. A cada 60 palavras que a maioria das pessoas fala, pelo menos uma será “um” ou “ãh”, como defende o Dr. Nick Enfield, professor de Linguística na Universidade de Sydney e codiretor do Sydney Centre for Language Research.

O linguista, inspirado em Goffman quiçá, complementa em “How We Talk” (2017) que durante uma conversa, as pessoas frequentemente dizem “hein?” ou outra palavra monossílaba para esclarecer o que ouviram. Mesmo a mais simples troca verbal entre duas pessoas é verdadeiramente uma “conquista cronometrada com precisão”. O oposto é esperado quando um ator-usuário se depara com uma “máquina de conversação” humanizada pelo marketing com nomes curtos e simpáticos: BABIs, BIAs etc. Espera-se uma conexão rápida, abocando palavras de maneiras que obedecem às convenções sociais e interpretativas da vida cotidiana: ritual e regras. Similarmente, interagir com os vetores das Figuras que Nosso UX se dedica a por estas croniquetas. Reivindica-se que ator-operador, bot, semibot ou não bot, também ancore, lamine, maquine ou enseje ritmo. Depois de um “um” ou “ãh”, espera-se, uma interjeição: “nossa”, “foi mesmo?”. Amo uma terceira: “sério?”.

Suputo Cocóias e Maranhãos em um chat com iguais. Sim, adito-os contrapondo atores-operadores de
chat bancários brasileiros que figuram tal Olho-mágico: Speculator.

Ritmo (Keys/keyings): O Speculator espia. É pacientemente frio com o ânimo coletivo. O princípio é igual: firmar boatos, comentários, disse-me-disse, enredo, especulação, falatório, murmuração e o principal: novidade!

Ginga (Laminations): A ginga é fria, olha ou escuta. Pontuam alta incidência de chamamentos e
encaminhamentos de links.

Compra de jogo (Anchorages): Os parênteses finais destas figuras são violentes. O timeout é assíncrono à espera da realidade. Os operadores Speculator imaginam um mundo onde outros Speculatores esperarão suas infindáveis horas de não resposta.

Mandinga (Fabrications): Recheiam-se por “não”, por pontos e números.

Adeus, Sir Maranhão. Tchau, Cocóia. Afastar-me-ei de São João Brito e um canto mais doce encontrarei. Viva Frutal, os reencontrarei em breve, nas Minas do Inter.

Por Fernando Koren

Cientista da mídia e etnógrafo de produtos digitais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia.Possui mais de dez anos de experiência em pesquisa e oito anos em docência. Inventor do software Qualichat, desenvolvido em seu pós-doutoramento na UNICAMP, entre 2020 e 2022. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública.

Kochav Nobre
Auditor de pesquisa na Ernest & Young
Kochav Nobre é auditor em pesquisa na Ernst & Young (EY). Professor designado na Universidade do Estado de Minas Gerais. Pesquisador visitante do Zentrum für Medien- Kommunikations- und Informationsforschung (ZeMKI) da Universidade de Bremen na Alemanha (2022) e Max Kade German-American Center da Universidade de Kansas (2018). Graduado em Publicidade pela Escola Superior de Propaganda em Marketing, mestre em Sociologia e doutor em Estudos da Mídia.Possui mais de dez anos de experiência em pesquisa e oito anos em docência. Inventor do software Qualichat, desenvolvido em seu pós-doutoramento na UNICAMP, entre 2020 e 2022. Fundador do Ernest Manheim Laboratório de Opinião Pública.