Quanto menos sabemos, mais achamos que sabemos. E pior: mais convencidos estamos de que estamos certos. Quer um exemplo?
Ela dizia ser astronauta da NASA. Dizia que viajaria ao espaço. E foi aplaudida por isso. Concederam-lhe prêmios, convites, manchetes. Instituições a celebraram. O público se emocionou com a suposta trajetória de superação. Mas havia um detalhe: nada daquilo era verdade.
Essa história, que recentemente ganhou os holofotes no Brasil, parece absurda, mas ela não é apenas sobre uma impostora. É sobre nós. Sobre o tempo em que vivemos. Uma época em que o acesso à informação é ilimitado, mas a capacidade de discernir parece cada vez mais escassa.
Por trás desse episódio curioso e perturbador está um fenômeno psicológico que explica por que tanta gente acredita (e se apresenta) com mais confiança do que conhecimento: o Efeito Dunning-Kruger. Mais do que uma farsa individual, essa história nos mostra o quanto estamos vulneráveis a certezas frágeis, a autoridades que não resistem a uma pergunta simples, e à superficialidade que disfarça a ignorância com eloquência.
Mas, afinal, o que é o Efeito Dunning-Kruger?
Identificado pelos psicólogos David Dunning e Justin Kruger, esse viés cognitivo explica por que pessoas com pouco conhecimento sobre um tema tendem a superestimar sua própria competência. Em termos mais simples: quanto menos uma pessoa sabe, mais confiante ela tende a ser. Isso ocorre porque a mesma habilidade necessária para dominar um assunto também é fundamental para reconhecer a própria ignorância. Em outras palavras, nossa falta de conhecimento pode nos impedir de perceber o quanto nos falta saber. E essa lacuna pode gerar desafios significativos.
O Efeito Dunning-Kruger na cultura da opinião simplificada
Nunca foi tão fácil ter uma opinião e, paradoxalmente, nunca foi tão difícil ter uma opinião bem fundamentada. Estamos na era da informação instantânea, dos comentários rápidos e dos julgamentos imediatos. A sociedade atual enfrenta um desafio: apesar do acesso ilimitado à informação, a disposição para o aprofundamento diminui. Preferimos resumos, posts e vídeos curtos, formando certezas a partir de interpretações superficiais.
Essa tendência cria um ambiente propício para o Efeito Dunning-Kruger se manifestar: um cenário onde muitas pessoas se sentem seguras de suas opiniões, mesmo que baseadas em conhecimento incompleto ou incorreto. No caso da “falsa astronauta”, isso foi visível em dois pontos:
- Na própria impostora: Ela parecia acreditar em seu título, apesar de não cumprir os requisitos da NASA;
- Na reação do público: Houve celebração compartilhamento sem um esforço mínimo de verificação, impulsionado pelo entusiasmo da narrativa.
Imprensa, criadores de conteúdo e a responsabilidade da informação
Essa história também ressalta a vulnerabilidade do ecossistema de informação atual, muitas vezes guiado por cliques. A imprensa, sob pressão de tempo, pode priorizar a velocidade sobre a profundidade. Influenciadores e produtores de conteúdo, buscando engajamento, frequentemente compartilham antes de uma compreensão completa. É fundamental lembrar que informação não é apenas entretenimento. E autoridade exige responsabilidade.
Em um mundo onde todos têm voz, quem possui visibilidade precisa ser ainda mais cuidadoso com o que publica, compartilha e valida. Verificar os fatos deixou de ser um diferencial; tornou-se uma obrigação ética.
O caso da falsa astronauta é um sintoma de algo maior: nossa tendência a aceitar o que reforça nossas emoções e nossa hesitação em nos aprofundarmos no que exige mais esforço cognitivo. Somos, por vezes, suscetíveis a histórias “boas demais para serem verdade” e, infelizmente, muitas vezes elas não são.
Conclusão: mais humildade, mais profundidade, menos certezas
Em tempos de abundância de opiniões e escassez de reflexão aprofundada, a humildade intelectual pode ser o antídoto mais eficaz contra o erro coletivo. É reconhecer que nosso conhecimento tem limites, que sempre podemos aprender mais e resistir à tentação de emitir opiniões sobre tudo com base em pouco.
O Efeito Dunning-Kruger nos ensina uma lição valiosa: quanto menos sabemos, mais atentos devemos estar às nossas próprias certezas. O conhecimento mais profundo nos convida a ser mais cautelosos, mais abertos ao diálogo e mais dispostos a ouvir antes de formar conclusões. Ele nos incentiva a trocar certezas rápidas por uma curiosidade genuína.
Talvez a grande lição dessa história seja que, antes de aspirar a grandes feitos, precisamos desenvolver a capacidade de manter a mente aberta, o ego em equilíbrio e um compromisso sólido com a verdade.